segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O FIM DE UMA ESTRATÉGIA VII

PARTE 2
2007 a 2009


9. Declínio da estratégia inicialmente traçada
Como já se referiu, as eleições de 2005 trouxeram alterações na composição das várias Câmaras que vieram a ditar profundas divergências com o modelo que tinha sido desenvolvido para o Sistema de Resíduos gerido pela Tratolixo.
Objectivos estratégicos e políticos que colidiam com o PERECMOS e a forma como tinha sido desenhado, simples “ajustes de contas” ou a incapacidade de antever a médio e longo prazo as implicações de uma correcta gestão de um sistema com problemas tão complexos como este, levaram a que os acontecimentos se precipitassem no sentido de revisão profunda do PERECMOS.
Tornou-se evidente que uma das premissas, talvez a mais importante, para o sucesso da estratégia delineada, conseguir gerir de forma integrada o sistema de resíduos de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra de uma forma horizontal – Recolha / Tratamento / Destino final - tornara-se impossível de conseguir.
Uns consideravam incomportável continuar a manter o nível de endividamento das Câmaras para com o sistema mas outros insistiam em pagar o mínimo no maior prazo possível, outros consideravam que as recolhas deveriam ser asseguradas pelas Câmaras e não pela Tratolixo, outros ainda consideravam inaceitável avançar para a recolha selectiva de RUB, outros consideravam que as tarefas de sensibilização deveriam ser cometidas às Câmaras, só para falar em alguns assuntos que motivaram opiniões divergentes entre as Câmaras que constituem o Sistema.
Eram demasiados “outros” para um só sistema!...
No entanto, passados três anos de toda esta tempestade, começam a ser tão evidentes os erros cometidos na revisão do PERECMOS que me arrisco a afirmar que o Sistema da Tratolixo poderia ter sido um exemplo Nacional na gestão de Resíduos Sólidos Urbanos e hoje é apenas mais um Sistema!
Quais são afinal os 7 pecados mortais que destruíram a possibilidade de sucesso do Plano Estratégico delineado em 2003?
1. A impossibilidade de garantir uma gestão integrada Recolha – Tratamento – Destino Final manteve, a partir de 2007 cada Câmara a gerir as recolhas de forma diferenciada, tornando impossível fazer da Recolha a primeira arma a utilizar para promover as recolhas selectivas e, por essa via, aumentar as quantidades de resíduos enviados para reciclagem.
Aliás, em alguns locais, como parte do município de Sintra, as opções tomadas pela HPEM para a contentorização, estão a fazer perigar a qualidade mínima dos materiais recolhidos tendo, nos casos da “famosa” recolha lateral de Sintra, aumentado a contaminação dos resíduos recicláveis da fileira embalagem.
Já em Oeiras, o município que nos anos 90 foi o exemplo nacional da reciclagem e da recolha porta-a-porta, toma em 2009 a decisão, lamentável, de reduzir ou mesmo acabar com esta forma de recolha.

2. A incapacidade de implementar a recolha selectiva de RUB tem sido gritante. Para além das experiências insípidas da Ericeira e dos produtores comercias em Cascais, não se fez mais nada para implementar a recolha selectiva de RUB que servirá para alimentar uma das linhas da Digestão Anaeróbia que irá iniciar laboração em 2010.
Sintra e Oeiras têm aqui um papel fulcral: não fizeram nada e nem indícios de começar.
Por outro lado, Cascais assume a posição de só avançar com aumentos de RUB recolhidos selectivamente quando vir as restantes Câmaras a investir neste processo.(Nem o pai morre, nem a gente almoça!...).
No entanto, teria sido fundamental que as quatro câmaras tivessem acordado para este assunto há muito tempo uma vez que este processo é moroso na fase da formação dos produtores de RUB para que se consiga um produto com contaminantes controlados.
Ter havido um a dois anos para solidificar hábitos teria sido muito interessante para o arranque em 2010 da D.A. da Abrunheira.
Assim, e na prática, vai-se iniciar a DA com material contaminado com os inerentes problemas de produção que acarretam…
3. A incapacidade de implementar a recolha porta-a-porta de recicláveis é outro aspecto que espelha o fracasso das recolhas entregues a cada uma das Câmaras.
E este processo de recolha, ao nível das zonas de habitação colectiva, é crucial para um efectivo aumento das quantidades de recicláveis recolhidas selectivamente: Na habitação colectiva temos o contentor dos indiferenciados à porta ou na casa dos resíduos enquanto que para os recicláveis há que procurar o ecoponto mais próximo: para bom entendedor…
4. A impossibilidade de uma sensibilização centralizada é outro aspecto de importância fundamental para o sucesso da implementação do PERECMOS.
Cada Câmara a gerir a sua mensagem, nos seus timings, por vezes com conteúdos contraditórios com os municípios vizinhos e integrantes deste sistema não serve para solidificar uma consciência dos munícipes para a separação e para o correcto comportamento na abordagem dos resíduos no universo do Sistema.
5. A incapacidade de contornar a asfixia financeira da Tratolixo é um dos maiores problemas.
As câmaras sistematicamente se atrasam nos pagamentos dos serviços prestados pela Tratolixo o que leva a fortes constrangimentos financeiros e de tesouraria a que a Tratolixo está muitas vezes sujeita.
Uma solução plausível seria entregar a cobrança deste serviço junto dos munícipes à Tratolixo, passando o valor a pagar a ser directamente proporcional à quantidade e nível de separação dos resíduos e abandonando definitivamente a cobrança de uma Tarifa de RSU por métodos indirectos, com base no consumo de água.

6. O abandono de partes fundamentais do Plano inicial de investimentos foi outro erro crasso.
Com base numa teoria, suicida em minha opinião, de fusão com a Valorsul a todo o custo, o próprio PERECMOS foi “adaptado” para lhe dar corpo.
A anulação da Construção da Central de Triagem levou a que desde meados de 2008 seja a Valorsul a fazer a triagem do Plástico/Metal/ECAL da fileira embalagem recolhido selectivamente no sistema da Tratolixo mas, acima de tudo, a empresa ficou sem capacidade de dar resposta às suas necessidades ficando refém de terceiros para cumprir aquilo que é a sua actividade principal!
7. A incapacidade de consolidar um grupo empresarial para os Resíduos sólidos Urbanos é o último pecado mortal cometido.
A concepção integrada de um grupo empresarial foi abandonada por falta de visão dos decisores políticos ou seja, as quatro Câmaras.
Não entenderam, ou não quiseram entender, as virtuosidades de um grupo empresarial que poderia ser uma trave mestra na sustentabilidade do sistema de resíduos dos 4 municípios.

10 A evolução do Sistema de Resíduos após a reformulação do PERECMOS
Cabe aqui procedermos a uma análise do que é a evolução dos resultados do sistema gerido pela Tratolixo nestes últimos três anos (2007-2009).
As opções assumidas na revisão do PERECMOS em 2007 introduziram alguns sinais que naturalmente resultaram numa inflexão drástica no modelo e nas orientações subjacentes ao PERECMOS na sua versão inicial ou mesmo na versão revista em 2006.
A separação clara de responsabilidades quanto à questão das recolhas demonstrou já o retrocesso no sistema relativamente aos índices de crescimento das recolhas selectivas e a recolha de RUB está exactamente no mesmo ponto – nível zero.
Esta regressão nas recolhas de recicláveis tem também razão de ser nas novas opções tomadas quanto à sensibilização e a sua passagem para a esfera própria de cada um dos municípios.
Voltámos à simples sensibilização nas escolas, com meios à dimensão de cada um dos municípios mas, aspecto fundamental, deixou claramente de se assumir os resultados como os de um só sistema.
Cada um dos municípios mantém-se apenas a olhar o seu umbigo!
Olhemos para os números.
Os RSU total mantêm-se com uma evolução que indicia alguma estabilidade, excepção feita ao Município de Mafra onde se regista ainda algum crescimento urbano, com o consequente aumento da população.
Denota-se que a evolução dos RSU estão nos últimos dois anos longe do incremento de 3% ao ano previstos no PERECMOS e tal deve-se à conjuntura económica e a uma certa estagnação na expansão urbana e consequente crescimento populacional nos concelhos de Cascais, Oeiras e Sintra.

Numa situação de implementação do PERECMOS, como foi projectado inicialmente, gradualmente deveríamos assistir a uma diminuição dos RSU indiferenciados e a um correspondente aumento dos recicláveis.
Se tal foi verdade em 2004 e 2005, quando se deu o vertiginoso aumento dos recicláveis fruto das medidas preconizadas no PERECMOS e consequentemente implementadas pela Tratolixo, com as mudanças verificadas após o acto eleitoral de finais de 2005, as dúvidas sobre o PERECMOS expressas por alguns autarcas, funcionaram como travão para a continuação da implementação de algumas medidas fundamentais previstas no PERECMOS.
O resultado foi a manutenção das quantidades de RSU indiferenciado com ligeiras flutuações, que nos últimos dois anos se ficam mais a dever a alterações nos hábitos de consumo do que propriamente a uma efectiva alteração do tipo de resíduos recolhidos.
O comportamento diferente do Município de Mafra está ligado ao já referido processo de crescimento urbano que se tem vindo ali a registar nos últimos anos.

Já os recicláveis apresentam um comportamento que espelha claramente as duas velocidades a que este sistema viveu: a velocidade que representou a implementação do PERECMOS original, no período de 2003 a finais de 2006 e a estagnação que se verificou após a revisão do PERECMOS consubstanciada em 2007.
Deve ter-se em atenção que não é expectável que o crescimento dos recicláveis se verificasse até ao “infinito” ou mesmo que os incrementos verificados nos primeiros anos e com as primeiras medidas do PERECMOS se mantivessem com a mesma expressão no decorrer dos anos.
Mas, é absoluta verdade que os níveis de recicláveis poderiam ter sido substancialmente superiores se o PERECMOS não tivesse sido amputado da forma como foi.
Mesmo a implementação da recolha selectiva dos RUB, se tivesse sido iniciada teria um efeito muito importante em toda esta dinâmica e ajudaria a melhorar os resultados e a participação das populações na lógica da separação na fonte.
Uma simples análise do que aconteceu de 2008 para 2009 é indiciador do que se acaba de afirmar.
Com excepção de Oeiras, em todos os outros três municípios verificamos um decréscimo mais acentuado dos recicláveis do que o verificado no RSU Indiferenciado.
Tal significa um claro retrocesso nos hábitos de separação das populações, fruto do desinteresse e do desinvestimento manifestado pelos responsáveis autárquicos.
Um outro indicador interessante é o rácio recicláveis/total de RSU.
O comportamento deste indicador no período 2003 a 2009 não pode ser mais evidente.
Este rácio Recicláveis/RSU Total identifica que foram dados sinais errados ao sistema e às populações servidas por ele, uma vez que a evolução que se pretendia crescente dá sinais de abrandar, estagnar ou mesmo regredir!
Outro aspecto interessante é acompanharmos a evolução das metas traçadas para o Ano 2023, o horizonte previsto para o PERECMOS nas suas sucessivas versões.
Já aqui referimos que as metas definidas no PERECMOS na sua versão original de 2003 poderão ter pecado por demasiado ambiciosas.
Conscientes disso mesmo, na primeira revisão do PERECMOS realizada em2006 os valores foram revistos em baixa.
Mas na revisão de 2007, aquela que personifica a quase negação do plano inicial, tais são as alterações introduzidas, torna os objectivos a atingir quase banais.
No entanto, mesmo banais, com o sistema a comportar-se desta maneira, sem tomar as medidas necessárias de coordenação nas recolhas, nem essas metas serão atingidas podendo afirmar-se, sem grande margem para erro, que até se poderá verificar um retrocesso para níveis inferiores aos já conseguidos!
Olhemos os objectivos traçados nas sucessivas versões do PERECMOS e não será difícil concluir que os objectivos traçados, mesmo depois de profundamente diminuídos, nunca serão atingidos se se mantiver esta ausência de estratégia.
A falta de ambição e de visão ditou que o sistema da Tratolixo, composto pelos Municípios de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra, assuma uma opção pela mediocridade, por fazer mais do mesmo.
Igual a todos os sistemas de resíduos de Portugal, ou de quase todos!...
Esta situação, bem evidenciada neste gráfico, demonstra que a retórica de definir uma meta, seja ela qual for, implica que o sistema se mobilize para, no seu todo, desenvolver as acções necessárias para que seja atingida.
Não o fazendo, como a acção da Tratolixo exemplifica nestes últimos três anos, para quê definir metas se tanto interessa atingi-las como não?!
Mas, e que efeitos têm estas alterações na lógica financeira traduzida no Project Finance ?
Esta redução de recicláveis recolhidos traduz-se, naturalmente, numa proporcional redução de receitas provenientes da venda de recicláveis e num aumento significativo de resíduos a enviar para destino final, o que se repercute num aumento de custos para o sistema.
O Project Finance pressupunha uma tarifa, a custos fixos a variar de 25 € a 29 € no quinto ano de vigência, mantendo-se nesse valor até ao final do projecto.
Ora é bom de entender que o tarifário não iria aguentar o esforço requerido ao sistema sem se actuar ao nível das recolhas!
Foi necessário reajustar o tarifário e foi abandonado o tarifário do Project Finance passando-se a definir anualmente o tarifário que permita um orçamento base Zero.
A evolução dos tarifários foi o seguinte:
O que as Câmaras não quiseram fazer por força de uma estratégia de alteração das recolhas e um investimento em promover a separação e a reciclagem dos resíduos da fileira embalagem foram pagar na factura da Tratolixo!
Veja-se o que foi a evolução dos pagamentos efectuados pelos Municípios no mesmo período de tempo:
É uma diferença brutal e estamos obviamente a falar do dinheiro dos contribuintes.
Uma pergunta não posso deixar de formular:
Qual teria sido a maneira como os contribuintes teriam preferido que este dinheiro fosse gasto, a investir num modelo moderno de recolhas de resíduos, ambientalmente responsável, exemplar em termos nacionais, ou, ao invés, que fosse gasto em aterros e em transportes para esses aterros?
A resposta não me parece nada difícil de adivinhar…

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