domingo, 18 de novembro de 2018

RECICLAGEM: O QUE FALHOU?


Este tema é ciclicamente colocado no centro da discussão, por vezes com argumentos apocalípticos, tentando sempre colocar o ónus sobre o cidadão comum relativamente ao que não funciona ou funciona muito mal na gestão dos produtos recicláveis.
A sociedade moderna tal como a vivenciamos, é cada vez mais exigente na distribuição dos produtos, sejam alimentares ou outros, no que respeita ao prazo de validade e à sua conservação, pelo que se colocam hoje problemas complicados de resolver ao nível das embalagens, produzindo-se um número assinalável de produtos ou subprodutos em matérias recicláveis. Sendo o plástico um derivado de petróleo e o papel e o vidro de utilização intensiva de energia na sua produção, entende-se que seria interessante investir em técnicas de reutilização destes produtos ou da sua reciclagem para evitar que sejam encaminhados a destino final e assim se desperdicem mais matérias-primas.
Chegados aqui, temos as empresas produtoras de embalagem e as câmaras municipais, que detêm a responsabilidade da recolha e do tratamento e destino final dos RSU, com os seus respetivos custos e responsabilidades sociais.
Nos anos oitenta e noventa discutiu-se muito este tema e a repartição dos custos inerentes à reciclagem. As câmaras acabaram por ficar com a parte de leão, tendo que suportar uma boa parte dos custos da recolha, do tratamento e do destino final dos resíduos. Claro que esta componente acabou por ir sair do bolso dos contribuintes com as tarifas de RSU.
Mas as Câmaras sempre tiveram alguma relutância em abordar este tema de uma forma inteligente e compreensível para os munícipes. Preferiram a facilidade de umas campanhas de sensibilização e de uma cobrança indireta baseada no consumo de água.
O problema da não existência de condições para alcançar as metas estabelecidas para a reciclagem dos materiais recicláveis reside exatamente aqui, nesta atitude desresponsabilizada das Câmaras e dos sucessivos governos da nação. Nunca quiseram encarar de frente este problema, estudá-lo e adotar as medidas que tornassem a reciclagem num ato responsável e ponderado de cada cidadão.
A Tratolixo em 2003, enquanto autores do Plano Estratégico de Resíduos de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra, estudou este assunto com profundidade e apontou soluções que não foram aceites, com elevadas responsabilidades nesta decisão dos atuais Presidentes de Câmara de Cascais e Oeiras, respetivamente Carlos Carreiras e Isaltino Morais.
De uma forma simplista analisemos o estado da arte na recolha de RSU em geral e dos materiais recicláveis em particular.
Um cidadão que não separe os seus resíduos tem a sua vida facilitada: não precisa de tanto espaço em casa para guardar as várias frações de resíduos, e apenas num saco e numa deslocação ao contentor resolve o seu problema.
Existem mais contentores de RSU indiferenciado do que ecopontos pelo que a distância percorrida pelo cidadão que separa os recicláveis é maior para entregar esses materiais do que se se limitasse a entregar RSU indiferenciado.
A política de algumas Câmaras em investir em contentorização enterrada não ajudou. Os contentores sendo de maior capacidade, existem menos e, em média, ficam mais longe do cidadão.
Os exemplos de recolha porta-a-porta foram abandonados, sempre com a preocupação dos custos da operação e não com a comodidade dos cidadãos.
E por último a patética forma de cobrar este serviço de recolha, tratamento e destino final dos RSU. Em função da água consumida?
Eu, interessado neste assunto, que tive a oportunidade de participar na elaboração do Plano Estratégico de Resíduos de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra, especialmente na componente das recolhas e das soluções de cobrança deste serviço, pergunto-me, cada vez que vou ao ecoponto depositar resíduos de vidro, de plástico ou de papel, porque “carga de água” a minha costela de cidadão responsável se mantém, quando não vejo tratamento diferenciado por parte da Câmara onde resido de tentar premiar os cidadãos conscientes nestas matérias ambientais.
Estes dois aspetos, a comodidade e a justiça tarifária se não forem resolvidos não há metas que resistam.
O cidadão cumpridor tem que ter a sua tarefa simplificada e tem que ter benefícios nos custos cobrados pelas Câmaras nas tarifas de Resíduos.
O abandono das políticas de proximidade, como as recolhas porta a porta, criaram um entrave ao crescimento dos materiais recolhidos seletivamente. Se a isto juntarmos o fato de que o pagamento a efetuar pelo cidadão não tem nada a ver com a tipologia dos resíduos que entrega para recolha e envio a destino final, sejam separados para reciclagem sejam indiferenciados, então fica explicado.
O problema das metas e dos níveis de reciclagem não é só um problema de cidadania! É também, e em maior percentagem, um problema de justiça!
Justiça para os que separam, que devem ter os ecopontos ou a recolha porta a porta de uma forma mais acessível e fácil do que aqueles que se limitam a entregar resíduos indiferenciados. O que deve estar mais longe da habitação do cidadão é o contentor do resíduo indiferenciado e não o contrário!
Justiça porque o cidadão cumpridor que separa as frações recicláveis deve pagar menos do que o cidadão que não tem preocupações ambientais!

Não vai haver crescimento dos materiais reciclados sem que estes dois aspetos sejam revistos pelas Câmaras e pelo Governo!