quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O FIM DE UMA ESTRATÉGIA II

3. O PERECMOS

3.1. A génese do Plano Estratégico de Resíduos de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra

Com o desafio colocado pelo Conselho Directivo da AMTRES nos últimos dias de Janeiro de 2003, para que a Tratolixo elaborasse um novo Plano Estratégico que reduzisse o valor do investimento previsto no plano elaborado pela Hidroprojecto, o Director Geral da Tratolixo, Eng. Álvaro Costa, com a minha colaboração, iniciou uma abordagem a esta questão promovendo algumas alterações estratégicas na organização proposta para o sistema e nas soluções de tratamento, preconizando a potenciação das recolhas selectivas, quer da fileira embalagem quer de RUB, e a sua valorização.
No desenho realizado para o sistema, avançava-se com a proposta de construção de uma Unidade de Digestão Anaeróbia, que trataria 75.000 ton/ano de RUB recolhidos selectivamente, mantinha-se a Unidade de Compostagem de Trajouce (TMB) com uma capacidade nominal de 150.000 ton/ano de RSU indiferenciado e o envio para a incineração na Valorsul de 50.000 ton/ano.
No desenho inicial (que viria depois a ser revisto em baixa), assumia-se que entre os materiais recolhidos em ecopontos, em recolha porta-a-porta (a exemplo do que a Câmara de Oeiras fazia com sucesso) e a recolha em circuitos dedicados a produtores comerciais, seria possível recuperar 75% do material reciclável presente no RSU.
As grandes linhas deste Plano passavam pela clara aposta nas recolhas selectivas e, por esta via, diminuir as quantidades de rejeitados a enviar para aterro e por outro lado aumentar as receitas com as contrapartidas definidas pela SPV.
Por esta mesma razão, entendeu-se que o Plano Estratégico deveria ainda tratar aspectos como a sensibilização, peça fundamental em qualquer estratégia de mudança de hábitos nas populações, o método de tarifação dos resíduos, dada a realidade vivida nos quatro municípios de não cobertura dos custos do sistema de resíduos com as tarifas de Resíduos Sólidos praticadas, e ainda o reforço de equipamentos destinados à deposição de resíduos da fileira embalagens e a construção de Ecocentros.
Para testar a viabilidade de propostas tão arrojadas, foram ouvidos alguns especialistas e pessoas ligadas à problemática dos resíduos que se pronunciaram pela exequibilidade deste plano e, de forma até entusiasmada, anteviram neste plano uma pedrada no charco de tudo quanto eram as teses dominantes sobre este tema.
O Eng. Carlos Pimenta (ex Secretário de Estado do Ambiente), o Eng. Ascenso Pires (Director Geral do Ambiente à altura) ou o Eng. Rui Bercmeyer (dirigente da Quercus) foram alguns dos técnicos a quem foi solicitada opinião sobre este plano que se pronunciaram pela justeza das propostas e, com algum entusiasmo, nos incentivaram a avançar com ele.
O PERECMOS representava uma clara cisão com a opinião dominante nos sistemas sob a égide da EGF.
Às teses de que a melhor solução era incinerar os RSU, o PERECMOS assumia que a prioridade deveria passar pela recuperação e pela reciclagem devendo apenas a fracção resto ser valorizada energeticamente;
Às teses de que era impossível melhorar as respostas das populações à separação dos resíduos e consequente recolha selectiva, o PERECMOS respondia com uma estratégia de melhorar a resposta dos sistemas às necessidades das populações para a sua missão de separar os resíduos e com uma fortíssima campanha de sensibilização;
Às teses de que as recolhas selectivas eram muito mais caras e que eram incomportáveis os custos de recolha, numa estratégia de potenciar as recolhas selectivas o PERECMOS assumia claramente que a solução era a da promoção das recolhas selectivas porque, sendo mais caro a recolha, era mais barato o tratamento e mais vantajoso, pela via da venda dos recicláveis.

3.2. A implementação do PERECMOS

O Plano Estratégico de Resíduos de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra – PERECMOS – tinha uma premissa principal que passava pela prioridade à Reciclagem e Reutilização do máximo de Resíduos.
Em 2003, estávamos numa época onde ainda se discutia de forma muito acesa se a melhor via seria o aproveitamento energético dos resíduos (tese defendida pelas mais importantes figuras da EGF do grupo Águas de Portugal e naturalmente com um peso significativo junto do Ministério do Ambiente) ou, ao invés, a promoção da reutilização e reciclagem dos resíduos (tese defendida pelos responsáveis de alguns grupos ambientalistas, como o caso da Quercus, e por outras entidades ligadas ao meio, nomeadamente a Tratolixo).
O argumento principal utilizado pelos defensores da tese da incineração de resíduos era o custo elevado das recolhas selectivas e a impossibilidade de ultrapassar determinados limites do índice de selecção de resíduos na fonte. Ora o PERECMOS provava a sustentabilidade de um sistema baseado no princípio da reciclagem e mais, provava que não era mais caro do que as outras soluções.
In extremis, o então Ministro do Ambiente Dr. Amílcar Teias, para tomar uma decisão coerente com o interesse dos municípios envolvidos no sistema da AMTRES e o interesse nacional, solicitou que fosse realizado um estudo comparativo com a solução preconizada pelo PERECMOS e dois cenários alternativos, em que um deles passava pela instalação da quarta linha da Valorsul.
Esse estudo comparativo, realizado pela Hidroprojecto, concluiu que a solução preconizada no PERECMOS era a economicamente mais vantajosa.
E foi o PERECMOS que foi aprovado pelo Ministro do Ambiente em 2003.
O Plano Estratégico tinha um conjunto de investimentos previstos em infra-estruturas de tratamento de resíduos mas ia mais longe, definindo algumas metodologias para a criação de novos fluxos de recolhas selectivas (Resíduos Orgânicos Biodegradáveis – RUB) ou para a optimização e maximização dos resíduos da fileira embalagens, equacionava vertentes fundamentais para o sucesso do Plano como a Sensibilização dos Munícipes dos quatro concelhos ou o desenvolvimento de estudos que viabilizassem uma aproximação dos custos para os munícipes da prestação de serviços de recolha e tratamento de RSU com a quantidade e o tipo de RSU produzidos por cada munícipe/agregado familiar.
Sou suspeito ao considerar a elaboração deste Plano como um marco memorável e que, não tivesse sido desvirtuado em 2007, seria um case study em matéria de soluções de tratamento com sucesso.
Teve necessidade de algumas correcções (a Revisão do Plano de 2006) nomeadamente ao nível da previsão de recicláveis recolhidos selectivamente que era muito ambiciosa na versão inicial mas, no essencial, este Plano tinha todos os requisitos para funcionar e provar que é sustentável uma solução baseada na Reutilização e na Reciclagem dos Resíduos.
Com a elaboração do Plano surgiram um conjunto de decisões e de opções, também elas estratégicas, sobre o modelo de organização do Sistema de Resíduos da AMTRES.
Foram tempos épicos, de grande envolvimento, de muito entusiasmo e de prazer em fazer bem, fazendo diferente.
Há vários ditados populares que espelham o estado de espírito vivido então. “O hábito faz o monge” ou “a ocasião faz o ladrão” ou ainda “em Roma sê romano” são exemplos que se poderiam aplicar.
Sem aterro próprio, com custos brutais a expedir o remanescente dos resíduos do sistema e os rejeitados da TMB de Trajouce, o engenho aguçou a análise de todas as hipóteses de reutilização de resíduos que deixassem de ter o papel de exportáveis para aterro ou para outros destinos finais – cada tonelada de resíduo que passava a valer dinheiro e ao mesmo tempo deixava de custar 43 € para enviar para aterro era uma vitória.
Deram-se passos de gigante.
Os monstros que eram integralmente enviados para aterro passaram a ser escolhidos, separados por fluxos e encaminhados para valorização.
Também os Resíduos de Jardins e Parques que eram antes encaminhados para o aterro passaram a ser triturados e enviados para valorização energética.
O TMB começou a funcionar em dois turnos e todos os RSU indiferenciados eram processados com o consequente aumento de recuperação de papel e cartão, ferrosos e não ferrosos e a dada altura, a recuperação de PEBD e, naturalmente, a diminuição de resíduos a enviar para destino final.
Um dos aspectos que começou a tomar forma foi o reaproveitamento de todo o PEBD existente no RSU indiferenciado, criando em Trajouce uma unidade para a sua valorização e transformação em matéria-prima utilizável na indústria recicladora do plástico.
Algumas experiências realizadas com a SIRPLASTE demonstraram que, se fosse possível dispor de uma unidade de lavagem deste plástico junto ao TMB em Trajouce, seria perfeitamente exequível o seu aproveitamento para transformar em matéria-prima para a indústria.
Foi assim que nasceu a ideia da criação da Tratoplás, uma unidade de reciclagem do plástico sujo, proveniente dos rejeitados do RSU indiferenciado após triagem no TMB.
Feito o estudo de viabilidade económica, ficou provada a sua exequibilidade.
Mais tarde, já em 2006, a SPV acabou por atribuir um valor de compensação para este tipo de material o que tornou este projecto ainda mais atractivo, pois permitiria juntar uma mais-valia importante à actividade da Tratolixo.
Quando sabemos que o plástico contido no RSU ronda os 11% significa que estamos a falar de um potencial de cerca de 37 mil toneladas/ano recicladas e, em simultâneo, retiradas de destino aterro.
O período 2003 / 2006, foi de intenso trabalho na identificação das oportunidades de negócio no reaproveitamento e reciclagem de Resíduos e assistiu-se na Tratolixo a um grande crescimento das receitas provenientes desta actividade.
Num trabalho por mim apresentado em Março de 2007, estes eram os valores que a empresa apresentava de evolução e de correspondentes expectativas:




Há um aspecto que importa realçar: o conjunto de novos quadros técnicos que foram integrados na empresa para dar suporte a toda esta revolução, rapidamente se integraram com os mais antigos e todos, sem excepção, evidenciavam um entusiasmo e uma dedicação a todos os títulos louvável.
Se houve em alguns momentos qualquer situação menos conseguida provocada pela inexperiência de toda esta gente nova foi largamente compensada em vontade e entusiasmo desta equipa fantástica.
Contudo, por mais competente que fosse a equipa que liderava todo este processo na Tratolixo, existiam um conjunto de importantes medidas que tinham que forçosamente contar com a colaboração activa de cada um dos quatro municípios e dos seus respectivos serviços técnicos o que, a não acontecer, (como se veio a verificar em alguns casos), dificultariam ou mesmo poderiam fazer perigar o sucesso do PERECMOS.
A própria aprovação do PERECMOS, o seu arranque, foi penosamente demorada e uma clara demonstração de que, para os municípios, parecia não se tratar de matéria urgente.
Questões como as recolhas selectivas, a sensibilização, a instalação de ecocentros, a estabilização dos fluxos financeiros das Câmaras, eram de uma importância extrema para o cumprimento do previsto no PERECMOS.
Se parte destes aspectos começavam a ser contrariados no dia-a-dia por alguns dos Municípios certamente que isso iria implicar a prazo a asfixia do Projecto elaborado para o Sistema.
Por exemplo a questão das Recolhas selectivas foi ao longo dos tempos alvo de sistemáticas intervenções da Tratolixo sem que para tal tivesse alcançado o apoio e compreensão da totalidade das Câmaras às teses defendidas.
Em Junho de 2004 foi feita mais uma tentativa, de muitas, de chamar os municípios à razão relativamente às questões das recolhas selectivas e a sua importância fundamental para a implementação bem sucedida do PERECMOS.
Os municípios nunca se colocaram de acordo relativamente aos valores a pagar à Tratolixo, a título indemnizatório, do não cumprimento das metas dos recicláveis.
Chegados ao ano de 2006 continuavam a ser evidentes um conjunto de factores negativos para o sucesso do PERECMOS tal como tinha sido pensado e aprovado pelos quatro municípios.
A Câmara de Sintra mantinha uma grande inoperância relativamente à definição do tipo de reforço de contentorização para os recicláveis, uma vez que insistia em optar, nalgumas zonas do concelho, pela recolha lateral.
Pela ausência de reforço de contentorização ia aumentando a distância entre os resíduos recicláveis efectivamente recolhidos e o previsto no PERECMOS.
Cascais Oeiras e Mafra, fruto do aumento de ecopontos na via pública com um rácio de 1 conjunto para 250 habitantes viam aumentar na mesma proporção a quantidade de recicláveis recolhidos.
As medidas complementares para a fileira embalagem em Cascais, Mafra e Sintra, a criação de circuitos porta-a-porta e circuitos de produtores comerciais, estavam mais atrasadas.
Oeiras, precursor deste tipo de medidas nos anos noventa, tendia a desinvestir neste tipo de circuitos mas, ainda assim, era o único município que cumpria ou ultrapassava as metas previstas para a fileira embalagem(papel/cartão, plástico/metal/ECAL e vidro).
Cascais, iniciava a criação de circuitos de produtores comerciais mas numa fase ainda embrionária.
Mafra, mantinha uma certa inércia para o arranque destes dois tipos de actividade.
Sintra mantinha em funcionamento circuitos de produtores comerciais mas com pouca relevância nas quantidades de recicláveis recolhidos.
Já no que respeita à criação de circuitos de recolha de resíduos biodegradáveis os passos necessários continuavam a não ser dados.
Excepção feita ao projecto piloto de Ericeira/Ribamar, no concelho de Mafra, que se mantinha em funcionamento, os projectos piloto implementados em Sintra (Agualva-Cacém) e Cascais(Mato Cheirinhos) funcionaram no período experimental e foram encerrados.
Entretanto Cascais inicia a recolha de RUB em produtores Comerciais em dois circuitos, o que, como facilmente se compreenderá, fica muito aquém do potencial apresentado por aquele concelho para este tipo de recolha.
Em Oeiras e Sintra as quantidades de RUB recolhidas teimam em não sair do zero!
Este atraso era extraordinariamente redutor para o modelo desenvolvido no PERECMOS e especialmente penalizador a título financeiro uma vez que:
Não se atingiam as receitas previstas nas contrapartidas para os recicláveis da fileira embalagem,
A não existência de recolha de RUB mantinha um elevado nível de contaminantes no RSU indiferenciado e por essa via uma diminuição da capacidade de recuperação de resíduos de embalagem e a sua consequente valorização;
A diminuição dos recicláveis em relação ao previsto no PERECMOS implicava o aumento na proporção inversa dos resíduos a enviar para outros destinos, com o respectivo agravamento de custos.
O que atrás fica dito confirma, até à exaustão, o quanto é impossível implementar um projecto deste tipo sem garantir uma clara cadeia de autoridade e responsabilidade.
A Tratolixo manteve sempre o seu papel de gestora financeira dos investimentos previstos no PERECMOS mas viu-lhe sempre negada a autoridade para intervir nas recolhas nos quatro municípios.
E há uma verdade indesmentível:
É IMPOSSÍVEL GERIR UM SISTEMA DE RESÍDUOS COM EFICIÊNCIA SEM CONTROLAR EM SIMULTÂNEO A RECOLHA, O TRATAMENTO E O DESTINO FINAL!
Conscientes disso, a Administração da Tratolixo ia lançando relatórios atrás de relatórios a alertar para o óbvio – A necessidade de operar de forma conjunta e estratégica ao nível das recolhas.

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