terça-feira, 2 de agosto de 2011

O FIM DE UMA ESTRATÉGIA I

1. INTRODUÇÃO
A Tratolixo em Março de 2003, desenvolveu um Plano Estratégico para os Resíduos de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra (PERECMOS) que assentava nos seguintes pressupostos fundamentais:
1 – Promover a separação multimaterial e por essa via valorizar através da reutilização ou da reciclagem a maior percentagem possível dos resíduos recebidos no sistema;
2 – Utilizar soluções de tratamento que amplifiquem o objectivo primeiro e que minimizem o recurso a Aterro;
3 – Considerar a opção valorização energética apenas para os resíduos para os quais não seja possível ou rentável a sua reciclagem ou recuperação;
Esta estratégia, que veio a ser aprovada pela AMTRES em Setembro do mesmo ano, implicou uma aposta muito forte nas recolhas de recicláveis e no desenho de uma solução de tratamento que complementasse a capacidade existente no TMB (Tratamento Mecânico e Biológico) em Trajouce com uma unidade de Digestão Anaeróbia e um Aterro para os rejeitados do processo.
A reformulação preconizada implicava um forte investimento, na altura avaliado em 165 milhões de euros, facto que se tornou evidente não ser possível exigir esse esforço aos accionistas, por manifesta indisponibilidade de recursos desta ordem de grandeza, já que os apoios comunitários conseguidos para este investimento se ficaram por 25 milhões de euros, correspondentes ao financiamento da Digestão Anaeróbia.
O passo seguinte foi encontrar uma solução que viabilizasse esta estratégia e que consistiu em passar para a Tratolixo a responsabilidade de gestão do sistema, através do estabelecimento de um Contrato-Programa, permitindo que esta empresa pudesse negociar um Project Finance e dessa forma garantir o financiamento do PERECMOS – Plano Estratégico de Resíduos de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra.
A sustentabilidade deste Plano assentava num substancial aumento de receitas com a venda de recicláveis, fruto das metas ambiciosas que o PERECMOS previa, e com a entrada em funcionamento da Digestão Anaeróbia e do Aterro de apoio em 2008. O Project Finance pressupunha ainda o alisamento da Tarifa a praticar ao longo da sua duração, com uma variação de 25 € a 29 €/ton, a preços constantes, durante 20 anos.
Para o sucesso desta estratégia existiam um conjunto de factores que eram imprescindíveis garantir sem o que o cumprimento do PERECMOS poderia ser posto em causa, bem como a estabilidade do Project Finance.
Para o cumprimento das metas, previstas no PERECMOS era fundamental assegurar:
Þ     Sintonizar os quatro municípios para as acções conducentes ao aumento das recolhas selectivas;
Þ     As recolhas dos recicláveis deveriam ser estrategicamente concentradas numa mesma entidade, sob a esfera da Tratolixo, para que em constante monitorização fossem tomadas as medidas necessárias conducentes ao cumprimento das metas;
Þ     Assegurar a alteração dos hábitos dos munícipes através de uma estratégia única de sensibilização;
Þ     Assegurar que os fluxos financeiros dos Municípios para a Tratolixo não sofriam constrangimentos.


2. HISTÓRICO
Convirá aqui fazer uma análise, ainda que sumária, ao status quo do sistema à data de 2003 e apreciar o estado da arte, os constrangimentos existentes e a revolução esperada com a aprovação do PERECMOS.
Este sistema sempre viveu uma profunda dificuldade de concertação estratégica e de soluções a implementar, tendo ao longo dos anos cada um dos municípios efectuado a sua “viagem”, à velocidade que cada um quis implementar, com as soluções e as práticas geridas de forma autónoma.
Embora a AMTRES, Associação de Municípios para o Tratamento de Resíduos de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra, desde sempre e em termos estatutários fosse a entidade coordenadora do sistema, e fosse sua a responsabilidade da gestão, nunca assumiu esse papel, mantendo-se exclusivamente como um órgão político, com todas as dificuldades que esta atitude sempre criou. Com cada município a enveredar pela sua solução, é óbvio que a coordenação era impossível.
Nos anos noventa, Oeiras era claramente o município mais avançado nas boas práticas ambientais. Precursor das recolhas porta-a-porta e das recolhas selectivas nos médios e grandes produtores, este município manteve sempre uma atitude pró activa, apenas alterando a sua postura no mandato 2006/2009 que agora findou, regredindo significativamente nas boas práticas, e sendo um dos principais motores na alteração estratégica realizada no sistema em 2007 e que, na nossa óptica, foi em muitos aspectos um retrocesso.
Se os quatro municípios assumissem comportamentos semelhantes ao demonstrado nos anos noventa pelo de Oeiras certamente o PERECMOS, tal como foi concebido inicialmente, teria sido um êxito!
Os outros três municípios viviam realidades distintas que importa apreciar.
O município de Cascais mantinha um contrato de prestação de serviços com a SUMA na área da limpeza urbana e recolha de resíduos, em muitos aspectos com características ruinosas (como veio em 2005 a ser provado com a constituição de uma empresa municipal – a EMAC - que garantiu uma profunda melhoria na qualidade e quantidade de serviços prestados associado a uma diminuição da factura de cerca de 5 milhões de euros por ano!).
A realidade então vivida mantinha uma tímida aposta nas recolhas selectivas, com um rácio na ordem de um conjunto de ecopontos por mais de 500 habitantes.
Também Sintra vivia um estágio embrionário no que respeita a recolhas selectivas.
Um concelho dividido em duas partes, uma gerida pela HPEM e outra pela SUMA, ambas com muito pouca expressão ao nível das recolhas selectivas.
O equipamento de recolha selectiva era pouco e envelhecido, o que fez com que Sintra garantisse desde sempre dos mais baixos rácios de recolha selectiva per capita em contraponto ao facto deste município representar 42% da totalidade dos resíduos existentes no sistema!
Por último Mafra, com um contrato de prestação de serviços com a empresa Ecoambiente, em que em termos de recolhas selectivas era o município que se encontrava numa fase mais incipiente, onde o esforço realizado era praticamente relativo ao vidro.
A este panorama ao nível das recolhas há que juntar um deficiente investimento de todos os municípios em sensibilização.
Acções desenvolvidas apenas no âmbito de cada município, muito focalizados na escola e na educação ambiental das crianças, eram claramente insuficientes para promover a revolução dos hábitos.
A dificuldade de coordenação entre os quatro municípios já referida, foi também sempre bem patente no desenvolvimento de soluções de tratamento para este sistema.
Cascais deu o primeiro passo ao disponibilizar Trajouce para a instalação do TMB nos idos anos oitenta e, já nessa altura, ficou acordado que o aterro sanitário a construir seria instalado em Sintra. Tal nunca veio a acontecer.
Nos anos noventa, com o encerramento compulsivo da lixeira de Cascais que continuou a ser o destino dos rejeitados do TMB (Central Industrial de Tratamento de Resíduos Sólidos), a Câmara de Cascais acabou por aceitar a instalação de um novo aterro também em Trajouce que funcionaria até ao seu encerramento em 2003.
É nesta nova encruzilhada, aterro em vias de encerramento, uma unidade de TMB com dez anos e capacidade para tratar apenas 50% dos Resíduos recebidos no Sistema, que se coloca a questão de novos investimentos em unidades de tratamento de resíduos.
Convém relembrar que, certamente por questões políticas, as Câmaras de Cascais (José Luis Judas) e de Sintra (Drª Edite Estrela) em conluio, empurraram para depois das eleições de 2001 a decisão de construir o novo aterro em Sintra (localização prevista na zona de Negrais).
Esta decisão viria a ser de uma importância profundamente nefasta para os interesses dos 4 municípios e especialmente dos seus munícipes, tendo representado seguramente um custo acrescido de mais de 35 milhões de euros entre 2002 e 2009 com o transporte de resíduos para outros destinos para tratamento e deposição final.
Depois de muitas vicissitudes, com a recusa da nova Câmara de Sintra, saída das eleições de 2001, em aceitar a instalação de Aterro Sanitário em Negrais, a Câmara Municipal de Mafra assume a disponibilidade de instalar um conjunto de infra-estruturas de tratamento de resíduos em Mafra, mais propriamente em Abrunheira, mediante um conjunto de contrapartidas que acabaram por ser aceites pelos restantes municípios.
Antes da aprovação do PERECMOS, houve ainda um Plano Estratégico elaborado pela Hidroprojecto, que pressupunha a construção de um Aterro, uma unidade de Digestão Anaeróbia e uma Unidade de Incineração de Resíduos. O investimento era tão elevado e a eventual comparticipação comunitária tão baixa, que a AMTRES deixa cair este Plano e estuda novas soluções.
É nesta altura que, que é enviada uma comunicação ao então Presidente do Conselho Directivo da AMTRES, lamentando o facto de aparentemente, as duas entidades, AMTRES e Tratolixo, estarem algo de “costas voltadas”.
Transcreve-se a seguir a comunicação então enviada:

Exmº Senhor
Presidente do C.A. da AMTRES
Dr. José Eduardo Costa
13 de Janeiro de 2003
ASSUNTO: TRATOLIXO
Tomo a liberdade de fazer este contacto, a título pessoal, que se prende com um conjunto de reflexões acerca do presente e o futuro da Tratolixo e que, quanto a mim, importa clarificar para, no desempenho das funções que exerço na Administração da Tratolixo em representação da AMTRES, possa actuar de acordo com aquelas que são as V. expectativas.
Poderei estar errado nesta minha interpretação mas sente-se um certo divórcio entre a AMTRES e a Tratolixo em relação à definição do futuro do sistema de tratamento de resíduos das quatro Câmaras envolvidas nessa Associação.
Sem querer obviamente questionar o papel cimeiro que compete à AMTRES na gestão desta problemática, parece-me contudo que, existindo a Tratolixo com participação maioritária da AMTRES, com um contrato de concessão válido ainda por mais alguns anos para a gestão da CITRS, seria natural e benéfico um real envolvimento da Tratolixo na participação das soluções a encontrar para a ampliação da capacidade de tratamento de resíduos.
É certo que os privados detentores de parte do capital social da Tratolixo mantiveram ao longo dos tempos uma atitude passiva em relação à empresa, nomeadamente no que respeita aos investimentos necessários e à definição de estratégias de desenvolvimento.
No entanto, não é menos verdade que ao longo desse mesmo período o sócio maioritário AMTRES nunca assumiu uma atitude pressionante junto dos privados, avançando com a definição de estratégias de desenvolvimento e exigindo uma participação diferente dos privados, nomeadamente em termos financeiros.
Presentemente, um dos privados, a HLC, dada a sua débil situação financeira, começa já a criar problemas ao normal funcionamento da Tratolixo. Os recentes desafios em que a Tratolixo se envolveu, ditaram a necessidade de esta reforçar a sua capacidade de endividamento na Banca e, a presença da HLC na estrutura accionista da Tratolixo, motivou já a indisponibilidade de pelo menos duas instituições bancárias reforçarem o financiamento a esta empresa.
Ora, talvez seja esta uma boa oportunidade de a AMTRES negociar o afastamento da HLC da estrutura accionista da Tratolixo até invocando precisamente esta situação.
É fácil perceber a situação complicada em que a Tratolixo ficará se outras instituições bancárias seguirem a mesma orientação que a CGD e o BPI já tomaram!
Quanto à Kock Portugal, importará perceber se, perante uma situação de novos investimentos a realizar, estão ou não disponíveis para acompanharem os outros accionistas com meios financeiros. Tanto quanto me é dado saber nunca tomaram qualquer iniciativa ou colocaram sobre a mesa uma proposta concreta nesse sentido. Mas é pertinente perguntar: não deveria ser a AMTRES, enquanto detentora da maioria do capital da empresa, a forçar por parte dos outros accionistas uma definição perante propostas de acção concretas?
Penso poder concluir que a resolução do problema existente de atitude por parte dos accionistas privados da Tratolixo passa muito pela própria atitude da AMTRES.
O que acabo de afirmar não pretende fazer a defesa dos privados no universo Tratolixo mas, estou convicto que uma parte das razões do aparente divórcio da AMTRES com a Tratolixo em muito se deve a esta questão.
Tomei conhecimento informal de que a AMTRES se prepara para abrir um concurso internacional para, em regime de Project Finance, encontrar o(s) parceiro(s) para a execução dos novos investimentos para a ampliação da capacidade de tratamento de resíduos.
Perante este facto colocam-se-me um conjunto de questões para as quais não consigo, sozinho, obter resposta.
- Sendo um concurso público, pode a Tratolixo concorrer, encontrando as necessárias parcerias que viabilizem, tecnológica e financeiramente, as condições do concurso?
- Se não, qual o futuro papel da Tratolixo no sistema de Tratamento de Resíduos no âmbito da AMTRES?
- Na afirmativa, e sendo a Tratolixo uma empresa com capitais maioritariamente públicos (AMTRES), não seria preferível “queimar” os prazos alargados que um concurso público exige, bem como um infindável conjunto de procedimentos administrativos, e encarregar desde já a Tratolixo para desenvolver contactos com diversas empresas e entidades financeiras para estudar as melhores soluções tecnológicas e financeiras para o desenvolvimento dos investimentos?
- Poder-se-á colocar a questão da transparência obtida através do concurso versus encarregar a Tratolixo desta tarefa. Mas, tendo a AMTRES a maioria do capital da Tratolixo não está, por essa via, assegurada a transparência de todo o processo? Numa situação de eventual quebra de confiança em um ou vários dos administradores da Tratolixo nomeados pela AMTRES pode esta, em qualquer momento, proceder à destituição desse(s) administrador(es)!
A eventualidade de se caminhar por esta via, seria, estou convicto, um óptimo momento para o aumento de capital social da Tratolixo e a redefinição da sua composição accionista. A questão inicialmente abordada da passividade dos accionistas privados teria um momento de ouro para uma clarificação do seu real empenho na viabilidade desta Empresa!
Uma solução “liderada” pela Tratolixo teria, em termos negociais, alguns benefícios.
Do meu ponto de vista interessará à AMTRES investir numa solução em que esteja garantido que controlará sempre a gestão do sistema, a sua fiabilidade e operacionalidade e, não menos importante, o preço a pagar pelas Câmaras.
Uma solução promovida pela Tratolixo iria ao encontro destas premissas, (o controle da Tratolixo é assegurado pela AMTRES) e, no âmbito da negociação com os potenciais grupos interessados em investir na ampliação do sistema de tratamento de resíduos da AMTRES, o facto de a Tratolixo personificar a garantia do fluxo de resíduos para o sistema pode ter um peso negocial importante na composição accionista futura, garantindo-se que o capital da AMTRES seja maioritário.
Também o factor tempo não é despiciendo.
A ser tomada a decisão de encarregar a Tratolixo de promover este processo, há poupanças assinaláveis de tempo que é, neste momento, um factor chave para a manutenção do controle do sistema. Não sendo segredo que a abertura de um concurso queimará um ano no mínimo, até que estejam reunidas as condições para o licenciamento da nova unidade e o início da sua construção, e sabendo-se os custos ambientais e financeiros que representam cada dia que passa sem dispor de uma capacidade adequada no sistema para o tratamento das quantidades de RSU’s produzidas pelas 4 Câmaras, fácil será perceber que se for possível ter em funcionamento a nova unidade dentro de 3 anos é sempre preferível do que em 4 ou 5 anos!
Há um último aspecto que me parece também importante. Numa solução de concurso, as propostas a receber pela AMTRES serão propostas fechadas, o que implicará ainda mais tempo com as previsíveis alterações que se pretenderão introduzir, enquanto que numa solução com negociação pela Tratolixo, o projecto, quer em termos tecnológicos, quer em termos funcionais quer ainda em termos financeiros, poderá nascer desde logo segundo a vontade e concordância da AMTRES conforme as instruções que em cada momento for dando aos administradores que representam o seu capital na Tratolixo.
Tive já por diversas vezes a oportunidade de referir, nas várias reuniões mantidas com a Administração da AMTRES, a minha profunda preocupação com a urgência de dispormos em curto espaço de tempo de uma capacidade instalada de tratamento para a quantidade de resíduos produzidos pelas 4 Câmaras Municipais integrantes da AMTRES.
Parece-me, portanto, que a urgência em dispor de uma capacidade de tratamento de resíduos adequada às necessidades, aconselharia a optar-se  pela solução que, não colocando nunca em causa o rigor e a transparência exigível, fosse a de mais rápida execução e entrada em funcionamento.
Por último, e que de certa forma se prende com o fundamento destas preocupações, as orientações estratégicas para o desenvolvimento da Tratolixo.
Como venho defendendo nas reuniões mantidas com a Administração da AMTRES, é fundamental que a Tratolixo enverede por uma via de diversificação de negócios para, por um lado, ficar menos dependente dos fluxos financeiros das Câmaras e dos consequentes problemas de tesouraria que ciclicamente atravessamos e, pelo outro, resultante do contrato de concessão existente, aumentando os proveitos da Tratolixo por outras vias, fazer descer as comparticipações devidas pelas Câmaras.
Presentemente, a composição do Conselho de Administração da Tratolixo, no que respeita aos Administradores indicados pela AMTRES, parece reunir condições de dinamismo e empenho que importaria aproveitar ao máximo.
Pela primeira vez, temos dois administradores que acompanham diariamente a actividade da empresa, eu próprio e o Eng. Leite Pereira, e um terceiro, o Dr. Realista, que, embora com menos disponibilidade, é uma pessoa de elevada dinâmica e objectividade e tem desempenhado um papel crucial na resolução de alguns problemas da maior importância para esta empresa.
Daí que, no âmbito do seu funcionamento se tenha desenvolvido uma estratégia para o estudo de diversas áreas possíveis de novos negócios, o que está já a decorrer, e nos permitirá, com alguma brevidade, dispor de um conjunto de propostas para apresentar ao accionista maioritário da Tratolixo.
Ora, sentindo-se uma certa incerteza sobre o papel que a AMTRES reserva à Tratolixo no futuro da gestão do sistema de resíduos, coloca-se-me a dúvida se não estaremos a desenvolver trabalho que de certa forma contraria os objectivos traçados pela AMTRES para esta empresa.
Por tudo isto, gostaria de solicitar que, em data considerada oportuna, fosse promovida uma reunião com a participação do Conselho de Administração da AMTRES e os Administradores da Tratolixo em sua representação, de forma a obter-se uma definição sobre estas questões.
Gostaria de que o constante neste documento fosse entendido como o contributo de alguém que, dentro da maior lealdade, vive todos estes problemas e a empresa para a qual foi nomeado Administrador em representação da AMTRES, com o espírito do serviço público e a defesa dos interesses das quatro Câmaras envolvidas.
Com os melhores cumprimentos.
Rui Frade Ribeiro
C/ Cópia para:
Exmº Senhor Arq. Carlos Reis
Exmº Senhor Dr. Gil Ricardo

A AMTRES lança então o desafio à Tratolixo, em finais de Janeiro de 2003, para a elaboração de um Plano Estratégico de Resíduos para o Sistema de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra que, não abdicando das melhores práticas e de soluções ambientalmente correctas e defensáveis, tivesse no entanto um investimento previsto que fosse suportável pelos quatro municípios envolvidos.
Em um mês, o então Director Geral da Tratolixo, Eng. Álvaro Costa, com a minha colaboração, procede à elaboração do PERECMOS.
Mais uma vez veio à superfície a crónica incapacidade de os quatro municípios se entenderem.
Embora o PERECMOS tenha sido entregue nos primeiros dias de Março de 2003, os quatro municípios só em Setembro do mesmo ano conseguiriam encontrar uma base de entendimento e aprovar em Assembleia Intermunicipal o Plano Estratégico.
Para uma análise rigorosa convirá referir que, dos quatro municípios, houve um que nunca demonstrou grande confiança na estratégia preconizada – o Município de Sintra.
Vencido mas não convencido, o Presidente da Câmara de Sintra, Dr. Fernando Seara, usou de todos os subterfúgios para impedir que o PERECMOS pudesse ser um sucesso e a resposta cabal aos problemas que os municípios tinham sentido na procura de soluções para o tratamento dos Resíduos Sólidos Urbanos de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra.
Defensor de uma adesão à Valorsul com a correspondente incineração dos resíduos, O Dr. Fernando Seara não conseguiu, naquela altura, demover os restantes três Presidentes de Câmara, Dr. António d’Orey Capucho, de Cascais, Eng. Ministro dos Santos, de Mafra e Drª Teresa Zambujo, de Oeiras, no seu apoio ao Plano Estratégico elaborado pela Tratolixo.
Esta questão chegou mesmo a fundamentar um pedido dos outros três municípios para que se estudasse a implementação desta solução apenas com 3 municípios assumindo-se a saída de Sintra desta solução.
O estudo foi realizado, provando que a solução para Cascais, Mafra e Oeiras seria muito menos exigente em termos financeiros mas Sintra acabou por assumir a aprovação do PERECMOS e, por essa via, não se auto excluir do Sistema AMTRES.
Contudo, um desafio como o que era preconizado no PERECMOS, vinha contrariar claramente as soluções defendidas pela EGF.
A EGF, empresa do Grupo Águas de Portugal, que controlava cerca de 50% dos Sistemas de Resíduos em Portugal, defendia um reforço da incineração de resíduos, quer pelo aumento da capacidade da unidade da Valorsul (a famosa quarta linha) quer pela implementação de uma nova unidade no sistema ERSUC.
Ora a defesa de uma opção reciclar como primeira prioridade, como era defendida no PERECMOS, representou um contratempo para a estratégia dos sistemas sob a égide do Estado, através da EGF, que apostavam claramente na Incineração.
O Plano Estratégico desenvolvido pela Tratolixo foi entusiasticamente recebido pelos sectores ambientalistas, usando-o, muitas vezes, como arma de arremesso a alguns dos sistemas geridos pela EGF.
Um dos exemplos do que acabo de referir foi a discussão pública no sistema ERSUC, em que a Tratolixo acabou por ser convidada a apresentar o seu Plano Estratégico em sessão pública realizada em Coimbra, como forma de divulgar uma posição alternativa àquela que era defendida pela Administração da ERSUC.
Para quem conheça minimamente a realidade autárquica sabe o quanto é difícil combater a natural inércia existente e introduzir alterações nos status quo municipais.
Por isso, entre a aprovação da estratégia definida no PERECMOS, a passagem da responsabilidade da gestão do sistema para a Tratolixo e a implementação das alterações ao nível das recolhas e instalação de equipamentos de deposição nos quatro municípios houve ainda muita tinta gasta.
Sintra definiu desde logo que a recolha continuaria a ser executada pela HPEM e pela SUMA e, naturalmente, manteve ao longo destes anos uma estranha inércia, de que resultou o menor crescimento em recolhas selectivas dos quatro municípios.
Só alterou esta atitude em cima das eleições de 2009 dando finalmente luz verde para um significativo reforço de equipamentos de deposição na via pública no concelho de Sintra que começarão a dar resultados em 2010.
São só 7 anos de atraso…
Os restantes municípios não colocaram qualquer entrave à aquisição de equipamento de deposição, com vista à obtenção da meta de 250 habitantes por conjunto de ecopontos.
No entanto as questões da recolha, nomeadamente o reforço necessário de meios disponíveis para garantir uma recolha eficiente, tiveram ainda alguns episódios que valem a pena ser recordados.
Em Cascais, existia um forte desentendimento com a SUMA fruto de uma maior eficácia de fiscalização pela CAF - Comissão de Acompanhamento e Fiscalização das Empresas Concessionárias de Cascais – porque esta Comissão começou a ter consciência da dimensão da ruína que representava o contrato que a CMC tinha estabelecido com a SUMA em 1996 no mandato de José Luís Judas.
Com o reforço de colocação de equipamentos de deposição no município de Cascais em 2004, a SUMA viu uma oportunidade de aumentar o valor a facturar à CMC e, por essa via, ampliar a sua posição já privilegiada.
Surge desta forma a hipótese de concentrar os novos equipamentos em duas freguesias, Alcabideche e S. Domingos de Rana, retirar estas duas freguesias da concessão da SUMA no que respeita à gestão e recolha de ecopontos, e entregar a recolha de recicláveis dos ecopontos em Alcabideche e S. Domingos de Rana à COLEU S.A., empresa participada pela Tratolixo e pela AMTRES, e que estava a ser vocacionada para executar transporte de resíduos para aterros e assegurar recolhas de resíduos nos quatro municípios.
A alternativa foi montada em menos de um mês!
Este primeiro exemplo, que acabou por resultar da situação gerada pela SUMA e a sobranceria colocada no seu relacionamento com a Câmara Municipal de Cascais, veio a ser a abertura da janela de oportunidade para a afirmação da COLEU enquanto empresa de recolhas no sistema AMTRES.
Rapidamente os municípios de Oeiras e de Mafra se socorreram dos serviços da COLEU para reforçar as equipas de recolha de recicláveis caminhando posteriormente para a entrega integral desse serviço, como acabou por acontecer com Cascais e Oeiras.
A existência de uma estreita ligação Tratolixo – COLEU, que nesta fase tinham em comum alguns administradores, permitiu agilizar e monitorizar os processos, garantindo um aumento muito significativo na quantidade e principalmente na qualidade do serviço prestado, de que resultaram os aumentos extraordinários de resíduos recicláveis, com os consequentes incrementos nas receitas provenientes da entrega destes materiais à SPV.
A COLEU, empresa que se perfilava como prestadora de serviços de recolha de resíduos com baixo preço, tinha uma característica que cedo provocou apreensão nos diversos operadores privados: tratava-se de uma Sociedade Anónima, cujo capital social era detido integralmente por entidades públicas (Tratolixo e AMTRES).
A COLEU demonstrou que era possível associar o baixo preço a uma gestão profissional, de carácter privado.
Para além disso, a prazo poderia significar a ocupação de um mercado que envolve uma população de cerca de 850.000 habitantes, poderia ser o rastilho para soluções semelhantes em outros locais do país e aquilo que era um ainda promissor mercado para a maioria das empresas desta área (com excepção para a SUMA que assumia já uma importante quota de mercado mas que arriscava perder o contrato de Cascais e a médio prazo o contrato de Sintra) poderia ser o fim de um bonito sonho.
As empresas de recolha tudo fizeram para contrariar esta situação e com mais ou menos responsabilidade no desfecho, respiraram de alívio em 2007, quando a Tratolixo viu alterada a sua estratégia e o encerramento da COLEU ditado pelos quatro municípios do sistema da AMTRES.
Com as eleições autárquicas de 2005, dão-se dois acontecimentos que seriam vitais para a alteração da estratégia definida para a Tratolixo no PERECMOS – a vitória do dr. Isaltino de Morais em Oeiras e a eleição do Dr. Carlos Carreiras nas listas do Dr. António Capucho em Cascais.
O Dr. Isaltino de Morais tinha “contas para ajustar” com algumas pessoas ligadas à gestão da Tratolixo e da Coleu.
Um diferendo comigo, antigo, que remonta à sua passagem pela distrital do PSD e minha pela concelhia do PSD de Cascais, com a indigitação do candidato autárquico a Cascais em 1993 e que motivou a minha demissão da concelhia e a imposição pela Distrital do nome de Nunes de Carvalho como candidato à Câmara de Cascais.
Também com o Dr. José Eduardo Costa que, tendo sido Vereador muito próximo do Dr. Isaltino de Morais, com a sua saída da Câmara de Oeiras para Ministro, naturalmente manteve uma atitude solidária e fiel à Presidente Drª Teresa Zambujo, facto considerado pelo novel Presidente de Oeiras como uma traição.
A estratégia do Dr. Isaltino de Morais passou por questionar a valia técnica do modelo preconizado no PERECMOS e, em simultâneo, insinuar falta de qualidade na gestão da Tratolixo, nomeadamente na forma como o Project Finance tinha sido negociado.
O Conselho de Administração da Tratolixo era então composto por 3 administradores (Rui Frade Ribeiro, que presidia, Luís Realista e Marco Almeida) em que o único que estava a tempo inteiro na Tratolixo era o Presidente.
O Dr. Isaltino começou então um processo de diabolização do Conselho de Administração da Tratolixo, que não tinha nenhum representante de Oeiras, invocando a necessidade de profissionalizar o Conselho de Administração, devendo, no seu entender, o Conselho passar a ser composto por 5 administradores profissionais, sendo um indicado por cada um dos 4 municípios e o quinto, por consenso entre todos os Presidentes de Câmara e que seria o Presidente.
Outra questão fundamental passava pela discussão do princípio da implementação da recolha selectiva dos Resíduos Orgânicos que, no entendimento do Dr. Isaltino de Morais, era impossível de atingir e com um preço incomportável no que respeita à sua recolha selectiva.
Já as questões colocadas pelo Dr. Carlos Carreiras, Vice-presidente da Câmara Municipal de Cascais com o Pelouro do Ambiente tinham outros contornos, alguns de mais difícil compreensão.
Carlos Carreiras sempre desconfiou da notoriedade e a importância que a Tratolixo vinha mantendo em matéria de Resíduos, defendendo a sua retirada de duas áreas: a recolha de resíduos e a sensibilização.
Vale a pena colocarmos um pequeno parêntesis a seguir, para contar uma história paralela, a Criação da EMAC, mas que se tornou determinante para os passos subsequentes que a Câmara de Cascais veio a tomar em matérias relacionadas com a Tratolixo.
Perante estas duas correntes de opinião criadas, que confluíam num objectivo “comum” de introduzir alterações na composição do Conselho de Administração da Tratolixo e reformular a estratégia definida no PERECMOS, nomeadamente diminuindo as metas previstas para as recolhas selectivas de Resíduos Orgânicos, passar as recolhas de selectivos para os municípios bem como a sensibilização, aparece um terceiro contributo que, de minoritário no mandato anterior, aproveitou agora os novos “ventos de mudança” – estou a referir-me, naturalmente, ao Dr. Fernando Seara, Presidente da CMS.
Outro aspecto determinante, e que ao longo dos tempos de existência da Tratolixo sempre foi um grave problema para esta empresa, foi o crónico atraso de pagamento dos quatro municípios pelos serviços prestados pela Tratolixo no tratamento dos resíduos sólidos urbanos produzidos por Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra.
A falta de cumprimento atempado dos pagamentos devidos pelas quatro câmaras obrigou a Tratolixo a contrair endividamento para financiamento de tesouraria ao longo dos tempos.
Já na fase de implementação do PERECMOS e no decurso do Project Finance, foi necessário desviar meios previstos para o investimento para financiar despesas correntes.
Na prática, a Tratolixo foi veículo para contornar a capacidade de endividamento das Câmaras para a realização dos investimentos necessários em instalações complementares de tratamento de resíduos com a negociação do Project Finance mas, ao mesmo tempo, foi obrigada a usar parte desses recursos financeiros para financiar os atrasos de pagamentos dos municípios relativos ao tratamento dos resíduos entregues.

2.1. A CRIAÇÃO DA EMAC
Em pleno ano eleitoral de 2005, estava a terminar o contrato com a SUMA em Cascais e tinha-se iniciado um processo de discussão da renovação ou não desse contrato e as suas implicações económicas, ambientais e políticas.
Começou então a desenhar-se a possibilidade de renegociar com a SUMA uma renovação contratual ou mesmo a constituição de uma empresa de capitais mistos com a participação da CMC e da SUMA.
Porque conhecia alguns contornos duvidosos do processo de adjudicação deste concurso à empresa SUMA mas principalmente porque as condições comerciais praticadas pela SUMA eram manifestamente ruinosas para a CMC, elaborei um primeiro estudo de implementação de uma empresa municipal para a área da limpeza urbana e recolha de resíduos, chegando à conclusão de que tal solução poderia permitir poupar aos cofres da Câmara um valor entre 3,5 e 5 milhões de euros por ano.
Ao apresentar este estudo ao Dr. António Capucho, defendi que era possível implementar esta solução, que era possível melhorar significativamente a qualidade dos serviços prestados às populações e, acima de tudo, poupar muito dinheiro à CMC.
Foi então criada uma comissão de trabalho para estudar a implementação de uma solução para a limpeza urbana e recolha de resíduos, composta pelo Dr. Carlos Carreiras, presidente da concelhia do PSD e candidato a Vice-presidente nas eleições de 2005, o Dr. João Dias Coelho, presidente da CAF, e eu próprio, na altura a presidir à Tratolixo e à Coleu.
A decisão acabou por recair na formalização da constituição da empresa EMAC e foi-me pedido que acumulasse a Presidência desta empresa na fase da sua implementação e naquela que se esperava difícil fase de transição dos serviços da SUMA para a EMAC, a par das responsabilidades
que já detinha na Tratolixo e na Coleu.
Com muito trabalho dos técnicos que foram chamados a dar o pontapé de saída na empresa, a par dos meus colegas de Administração, Dr. Rui Libório, Actual Presidente da EMAC, e Arq. Carlos Reis, a implementação da empresa resultou num enorme sucesso, quer na qualidade do serviço prestado quer na poupança que representou para o município – 5 milhões de euros logo no ano de arranque em 2006.
Contudo, o sucesso da EMAC cedo se revelou “inimigo” da Tratolixo e da estratégia preconizada no PERECMOS.
Sendo a EMAC a empresa de Ambiente da Câmara de Cascais, seria mais fácil recolher os benefícios políticos do trabalho realizado na área ambiental se o mesmo estivesse sob a égide da EMAC.
Desenharam-se então duas decisões que viriam a ditar a curto prazo as alterações efectuadas no PERECMOS – a passagem das recolhas selectivas para a EMAC (que deixou a COLEU com um deficit estrutural o que veio a resultar no seu encerramento) e a intenção de passar para a EMAC todas as acções de sensibilização a realizar em Cascais.
Os argumentos então aduzidos pelo Dr. Carlos Carreiras – A Tratolixo é para tratar o lixo, as recolhas e a sensibilização devem ser responsabilidades de cada um dos municípios – deram o mote para a realização das alterações no PERECMOS que, em minha opinião significaram um retrocesso na estratégia de resíduos deste sistema e ditaram o fracasso da estratégia inicial.
Esta decisão forçada por Carlos Carreiras de passagem das recolhas e da sensibilização para a esfera de cada uma das Câmaras que compõem este sistema de resíduos, com muito de politiquice e nada de gestão ou de interesse público, foi a principal responsável pelo insucesso do PERECMOS.

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