sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O FIM DE UMA ESTRATÉGIA IV

O Financiamento do Sistema
A par da ausência de receitas dos recicláveis que ficavam por recolher selectivamente e o esforço suplementar em enviar os RSU's indiferenciados recolhidos a mais do que o projectado para outros destinos, havia ainda um outro factor que ajudava a distorcer ainda mais a execução financeira do PERECMOS – o sistemático atraso dos municípios nos pagamentos da tarifa devida à Tratolixo pela gestão do sistema de resíduos.
Este facto (historicamente sempre presente na história da Tratolixo mesmo antes do PERECMOS!) deveria há muito tempo ter sido alvo de profunda reflexão pelos decisores políticos das quatro câmaras.
Consciente do problema e da forma de o solucionar, voltámos “a carga” com mais um memorando em 27 de Setembro de 2006, enviado aos quatro municípios do sistema.

Memorando
27 de Setembro de 2006
Princípios orientadores para a reformulação do financiamento do sistema de resíduos de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra Implementação do princípio do utilizador/pagador nos Resíduos Sólidos Urbanos.
1 – Enquadramento
Assiste-se neste momento a uma situação difícil nos quatro municípios (Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra) no que respeita aos recursos financeiros existentes face às crescentes responsabilidades e exigência dos munícipes.
Por outro lado, embora a recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos configure uma clara prestação de serviços, o que pressuporia a implementação do princípio do poluidor/pagador, por diversas razões, nunca os municípios abordaram este assunto desta forma, tendo optado pela institucionalização de uma tarifação indirecta associada ao consumo da água.
Ora, este facto leva a duas situações que nos parecem merecer uma reflexão profunda e uma inflexão na orientação política até hoje seguida.
A primeira, os valores até agora cobrados na tarifa de resíduos sólidos , não cumpre, nem de forma aproximada, os custos que a gestão deste processo acarreta para cada um dos municípios.
A segunda, a forma de tarifação indirecta associada ao consumo da água, não garante uma clara percepção do consumidor que a sua atitude interfere nos custos directos do município onde reside. É diferente, e com custos financeiros e ambientais bem diversos, se um munícipe separa os seus resíduos ou se produz apenas RSU indiferenciado.
Com a aprovação do Plano Estratégico de Resíduos de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra em 2003, e a celebração de um Contrato Programa entre a Tratolixo e a AMTRES, que atribui a gestão do sistema de resíduos à Tratolixo EIM em 2004, e a responsabilidade desta para financiar os investimentos a realizar para adaptar a capacidade instalada de tratamento de resíduos, com a contrapartida para a AMTRES de um alisamento tarifário ao longo de 20 anos, deu-se um passo significativo para a normalização do sistema mas, três anos volvidos, resulta como insuficiente para o correcto funcionamento do sistema.
A primeira fragilidade surge de o Plano Estratégico ter sido desenvolvido com pressupostos de alteração profunda ao nível das recolhas para minimizar os custos de tratamento e maximizar a reciclagem e a correspondente receita gerada por essa via mas, o financiamento assegurado pela Tratolixo ser apenas referente ao tratamento dos resíduos, pelo que as questões relacionadas com as recolhas continuaram a ser da responsabilidade de cada um dos municípios.
O tarifário aplicado para o Tratamento de Resíduos pressupõe determinados comportamentos ao nível das recolhas. Contudo, para os municípios, e nesta fase de implementação das alterações nas recolhas, esta situação pode representar um agravamento de custos na factura recolhas, que tem promovido e contribuído para uma grande relutância por parte dos municípios em avançar com as alterações preconizadas no PERECMOS.
No entanto, é um facto que, a não introdução das alterações nas recolhas desvirtua os pressupostos do PERECMOS e, mais grave, as condições financeiras do projecto ou seja, o preço a pagar pelo tratamento dos resíduos.
Os atrasos verificados nos pagamentos à Tratolixo por parte dos municípios, (presentemente a dívida ascende a cerca de 20 milhões de euros) são indiciadores de que existe efectivamente um problema de financiamento desta actividade que merece ser ponderado.
A grande questão que importa discutir é se o custo inerente ao tratamento de RSU é desajustado dos valores praticados em outros sistemas.
Com a implementação do financiamento da Tratolixo através do Project Finance, foi possível garantir o alisamento do tarifário que a preços constantes de 2004 seria crescente de 25,00 €/ton até 29,00 €/ton em 2008 e seguintes.
Em 2006, o preço praticado para a totalidade dos RSU recebidos é de 28,37 €/ton.
Em sistemas de grande dimensão, com quantidades de RSU na mesma ordem de grandeza do da Tratolixo, os valores praticados são os seguintes:
Valorsul  – 22,07 €/ton
(Incineradora, Digestão Anaeróbia, Unidade de Selecção e Classificação de recicláveis, aterro)
Lipor – 43,50 €/ton
(Incineradora, Compostagem, Unidade de Selecção e Classificação de recicláveis, aterro)
De notar que no caso da Tratolixo, o preço reflecte a inexistência de aterro próprio e os elevados encargos com o encaminhamento de resíduos para outros aterros durante 3 anos (14 milhões de euros/ano aproximadamente o que representa 37,58 €/ton!).
Portanto, o problema não é uma questão de desajustamento do tarifário praticado nem de soluções propostas, é um problema de inexistência de meios financeiros para cumprir os compromissos assumidos pelos municípios nesta matéria.
Chegados a este impasse, importa recolocar tudo em questão e reavaliar os caminhos e os processos a seguir, identificar as fragilidades e os problemas e apontar soluções.

2 –Revisão do PERECMOS
Sem falsas modéstias e sem reservas, pode-se afirmar que o PERECMOS é, conceptualmente, uma excelente solução para o Tratamento de Resíduos Sólidos dos municípios de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra.
Seguindo as tendências preconizadas no mundo ocidental, nomeadamente na Europa, este plano tem uma grande preocupação ambiental na promoção da reciclagem em detrimento da eliminação de resíduos.
Aliás, o PERSU II vem confirmar todas as opções tomadas e a orientação estratégica relativa à forma de abordar as embalagens (papel/cartão, plástico e vidro) ou a estratégia nacional para os RUB (resíduos urbanos biodegradáveis).
O trabalho desenvolvido nos últimos 3 anos pela Tratolixo granjeou-lhe já um forte reconhecimento entre os restantes sistemas e as entidades envolvidas na gestão de resíduos.
Naturalmente, o Plano foi construído tendo por base projecções de crescimento urbano, de capitações, de taxas de reciclagem dos materiais, que importa agora aferir coma experiência no período 2003 - 2006.
Assim, parece-nos chegado o momento para produzir a 1ª revisão do PERECMOS, facto que está já a decorrer, esperando-se a sua conclusão no final de Setembro de 2006.
Do que atrás ficou referido, há uma componente que deve ser analisada em conjunto – as recolhas. O verdadeiro sucesso deste Plano passa por verificar que o tratamento e as recolhas são indissociáveis e as soluções preconizadas são efectivamente vantajosas quer financeira quer ambientalmente.
Outro aspecto que deverá resultar desta revisão será o aprofundar de uma solução para o financiamento do sistema sem constrangimentos e que, em nossa opinião, deverá passar pela implementação de um tarifário directo aos munícipes, em função da produção efectiva de resíduos, e que deverá expressar o suporte integral do financiamento do sistema pelos munícipes.

3 –Novo Sistema Tarifário
Ultrapassar os constrangimentos existentes deverá passar, em nossa opinião, pela aplicação do princípio poluidor/pagador e instituir a tarifação directa aos munícipes dos custos de recolha e tratamento de RSU.
Os valores arrecadados pelos municípios na tarifa de RSU cobrada na factura da água são os seguintes:

Resulta daqui que o Orçamento Municipal tem que financiar uma boa parte desta operação a que se deverá juntar todos os custos inerentes à limpeza urbana. (Em Cascais representa um montante de cerca de 10 milhões de euros).
A alteração desta situação e a passagem dos encargos com a recolha e tratamento do RSU para uma cobrança directa ao munícipe, tem implicações políticas que importará também avaliar.
No entanto, dadas as circunstâncias financeiras reais em que se encontram os municípios e atendendo a que a legislação recentemente produzida prevê que os custos com o tratamento e recolha dos RSU passem a ser suportados directamente pelos munícipes, julga-se o momento certo para uma tomada de decisão neste sentido.
Assim, considera-se que o novo tarifário deverá consistir em duas parcelas:
-Uma parcela fixa por fogo, indexada aos investimentos e à disponibilidade de uma infra-estrutura para tratar e recolher os RSU;
- Uma parcela variável indexada ao RSU efectivamente produzido por cada família e pelo tipo de fluxos (o valor deverá penalizar o RSU indiferenciado em detrimento dos fluxos recicláveis).
A Tratolixo encomendou um estudo a uma empresa de consultadoria para avaliação da possibilidade de criação de tarifa, forma de cálculo e forma de cobrança, possibilidade de a Tratolixo poder directamente cobrar aos munícipes e outras implicações. Este estudo deverá estar concluído em princípios de Novembro.
Um estudo prévio permite desde já avaliar o valor médio a cobrar por fogo.
Pode-se concluir que a não se encontrar uma solução que em definitivo permita alimentar financeiramente a Tratolixo sem qualquer tipo de constrangimento poderemos a muito curto prazo ter uma crise insustentável com repercussões graves para os quatro municípios.
Os investimentos a cargo da Tratolixo estão a sofrer atrasos que se devem em boa medida ao não pagamento das Câmaras e a consequente canalização de meios afectos ao investimento para a gestão corrente.
Os atrasos repercutem-se também nos custos de tratamento!
A Tratolixo foi, nos últimos 3 anos, financiadora da actividade dos 4 municípios, tendo substituído os pagamentos que deveriam ter sido efectuados por estes como recurso a endividamento.
Até quando?...
Rui Frade Ribeiro

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