quinta-feira, 2 de agosto de 2012

A INDIGESTÃO DA TRATOLIXO



As últimas notícias que nos chegam da Tratolixo ou com ela relacionadas são altamente preocupantes e indiciadoras de que não há um rumo definido para a empresa ou para a gestão dos resíduos nos quatro municípios que a detêm (Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra).
A Unidade de Digestão Anaeróbia construída em Mafra está muito longe de iniciar a sua actividade normal porque apresenta problemas tecnológicos graves de difícil resolução.
Para mim não é novidade que assim seja.
Fazer a Digestão Anaeróbia de Resíduos Sólidos Urbanos indiferenciados não é a mesma coisa que o fazer a partir de Resíduos Orgânicos recolhidos selectivamente.
Brecht - Bélgica
Há experiências muito bem sucedidas de Digestão Anaeróbia com matéria orgânica recolhida selectivamente, já a utilização de RSU indiferenciado neste tipo de técnica…
Houve, em 2004, o cuidado de confirmar a bondade da tecnologia de Digestão Anaeróbia e a qualidade relativa dos vários tecnólogos presentes no mercado.
Realizou-se um périplo de visitas a várias instalações na Europa, Bélgica - Brecht  (Tecnologia DRANCO), Holanda - Lelystad  (Tecnologia BIOCEL), Alemanha - Lemgo  (Tecnologia LINDE-KCA) e Braunschweig  (Tecnologia KOMPOGAS), Espanha - Ávila ( Tecnologia Rós Roca) e Barcelona (Tecnologia Urbaser).
Foi possível perceber que a qualidade do tipo de resíduos à entrada, o seu nível de contaminantes, era uma questão fundamental para o bom desempenho deste tipo de tecnologia.
No âmbito do Concurso Público Internacional concorreram 6 consórcios, com preços a variar entre 37,8 M€ e 56 M€.
A adjudicação recaiu sobre a proposta economicamente mais vantajosa que por sinal era também a de menor valor, apresentada por Mota Engil / Zagope / Urbaser .
Infelizmente, os autarcas de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra em 2007 demonstraram dar pouca importância ao trabalho técnico realizado no âmbito da elaboração do Plano Estratégico de Resíduos Sólidos de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra.
Lemgo - Alemanha
É que as opções tomadas de enveredar pela recolha selectiva do orgânico estava intimamente ligada com a solução escolhida para complementar a capacidade de tratamento de RSU – a digestão anaeróbia.
Cedo algumas vozes trataram de invocar que a recolha selectiva de Resíduos Orgânicos era muito dispendiosa.
Ela é mais cara inicialmente, é um facto, mas não é menos verdade que o facto de disciplinar a população a separar os Resíduos Orgânicos permitiria, a prazo, reduzir o número de fluxos de recolhas selectivas, podendo vir a juntar-se as fileiras papel e plástico.
Mas, como tenho afirmado inúmeras vezes, a questão dos Resíduos Sólidos Urbanos não é uma questão específica do tratamento, ou da recolha ou do destino final. Se não for estudada uma solução que domine estas três vertentes, a solução será sempre frágil e pouco sustentável.
Os autarcas dos quatro municípios não quiseram entender isto e agora o resultado é este.
Braunschweig - Alemanha
A ligeireza de decidir baixar significativamente as metas de Matéria Orgânica recolhida selectivamente colocou em causa o equilíbrio financeiro que a lógica imprimida ao Plano Estratégico de Resíduos de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra mantinha. Esta medida, a par da falta manifesta de empenho em relação aos fluxos dos recicláveis, ditou a implosão do Project Finance e, consequentemente, do financiamento do investimento iniciado em 2003.
Se os objectivos que geram receitas são “aliviados” mas se mantemos os investimentos ou mesmo os aumentamos, não há Project Finance que resista!
Nos meandros de Cascais e da actual Administração da Tratolixo chovem comentários pouco abonatórios relativamente ao Plano Estratégico desenvolvido em 2003 e que foi abruptamente amputado em 2007.
Sei que a memória é curta, e que é fácil casar meios argumentos com metades de verdades, mas os números esses, para o bem e para o mal, falam por si!...
Este facilitismo gritante tem responsáveis políticos claros e tem gestores também com responsabilidades que prometeram o trabalho e a solução que não estavam habilitados para conseguir implementar!
E bem pode Carlos Carreiras acenar agora com capital brasileiro que parece querer entrar com 40 M€ na Tratolixo que não consegue apagar a sua co-responsabilidade neste desastre anunciado.
Já sobre Domingos Saraiva não tenho mais nada a juntar e os Presidentes das Câmaras já perceberam o que a casa gasta mas, já que se prontificou a comer a carne, que se mantenha até que apareça osso…
Confesso que fiquei siderado quando assisti em 2007 ao anúncio por Domingos Saraiva de que se iria fazer um reajustamento às metas de Resíduos Orgânicos recolhidos selectivamente (para menos de metade) e que se iria solicitar ao tecnólogo a quem já tinha sido adjudicada a Digestão Anaeróbia de Mafra, após concurso público, para reformular o projecto daquela unidade para passar a operar com resíduos sólidos urbanos recolhidos indiferenciadamente.
Dez milhões de euros depois, tal o custo das alterações introduzidas e a somar aos 37,8 M€, a Tratolixo tem uma Unidade de Digestão Anaeróbia que não funciona.
São quase 50 milhões de euros que ali estão investidos!
E agora?