segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Pode-se apagar o passado com Rebranding?


A Câmara Municipal de Cascais iniciou um processo de concentração das suas empresas municipais e agências que pode ser discutível quanto aos resultados anunciados versus aqueles que irão ser obtidos, nomeadamente quanto a poupanças, mas não é exactamente esse o assunto a discutir aqui e agora.
Mas uma das decisões, a de renomear a EMAC e o resultado final da concentração pretendida de lhe juntar as Agências Cascais Natura e Cascais Atlântico, é merecedora de crítica veemente, pelo absurdo que encerra, pelos motivos que espreitam por detrás da cortina, por se tratar de uma decisão desprovida de defesa ao nível da imagem, do negócio e dos custos associados.
A EMAC é claramente uma das jóias da coroa da acção desenvolvida pelos executivos liderados por António Capucho em Cascais a que, modéstia à parte, eu estive ligado à sua concepção e implementação, quer na sua primeira administração, com Rui Libório e Carlos Reis, quer  numa comissão criada por António Capucho que estudou a sua implementação, com Carlos Carreiras e João Dias Coelho.
Para mim é e será sempre motivo de um enorme orgulho ter estado ligado à génese da EMAC.
Agora, anunciada a intenção de “rebranding” da EMAC, vale a pena analisar as razões, os objectivos e a eficácia de tal medida.
A EMAC foi um caso de sucesso à nascença.
Com a eficiência dos muitos profissionais que trabalham naquela empresa aos mais variados níveis e funções, e com o modelo de gestão nela implementado desde a primeira hora, foi possível garantir um reconhecimento público muito favorável na actividade desenvolvida pela EMAC.
Este reconhecimento manteve-se ao longo dos seis anos de actividade que já leva e sedimentou-se de uma forma muito sólida.
A empresa agora liderada por Rui Libório é quase um “case study” do que pode e deve ser uma empresa municipal com uma elevada capacidade operacional e qualidade de serviço prestado ao nível da limpeza pública e recolha de resíduos sólidos urbanos. 

Por isso, promover o rebranding de uma empresa com seis anos que detém uma excelente imagem pública é, no mínimo, um péssimo acto de gestão.
A renomeação da EMAC, iniciais de Empresa Municipal Ambiente Cascais, para Cascais Ecológico é de um mau gosto brutal e um retrocesso nos conceitos modernos da gíria ligada aos conteúdos do ambiente.
Mas é acima de tudo uma medida anti-económica, atendendo aos custos de alteração de logótipos existentes em milhares de contentores, ecopontos, papeleiras, viaturas de recolha, viaturas operacionais e de transporte de pessoal ou o desperdício no estacionário existente, brochuras, panfletos, publicidade estática, etc.  
Ora estes custos vão ser suportados pelo erário público, pelo que não se entende a leveza com que tal medida é tomada!
Também ao nível da notoriedade  quase que se pode considerar um atentado à lógica e à sanidade mental.
Tomara Lisboa, Sintra ou Oeiras, só para usar exemplos próximos, ter um activo com imagem tão positiva e com tão boa notoriedade pública como Cascais tem com a sua EMAC. Nada pode justificar deitar fora tal património!
Só encontro uma razão para justificar esta medida e, a confirmar-se, é tão mesquinha, tão rasteira, que não tenho outras palavras para a classificar.
Esta medida de renomeação da EMAC só parece ter uma intenção inconfessável, que é apagar definitivamente as suas origens no mandato exercido por António Capucho e fazer parecer que se trata de algo que foi criado na gestão municipal exercida por Carlos Carreiras.
Se é esta a razão, e a profunda reflexão que tenho feito sobre este assunto não me levou a outra, então chegámos a um nível da gestão autárquica e do exercício do poder político nunca antes visto, desbaratando-se dinheiros e recursos públicos com objectivos que de público e da defesa dos seus interesses não tem nada.
É revelador. Muito!

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Maiambiente recebe prémio que podia ser da Tratolixo…

A ERSAR e o Jornal Água&Ambiente atribuíram os Prémios de Qualidade de Serviço em Águas e Resíduos de 2011 durante a 6.ª Expo Conferência da Água, em cerimónia realizada no Tagus Park, em Oeiras.
“O prémio “Qualidade de serviço de gestão de resíduos urbanos prestado aos utilizadores” foi atribuído à empresa Maiambiente – Entidade Empresarial Municipal, pelo relevante desempenho global da entidade gestora, candidata voluntária à avaliação da qualidade de serviço, na recolha indiferenciada e selectiva dos resíduos urbanos do concelho da Maia.
Salienta-se o seu empenho no alargamento a todo o concelho do sistema porta-a-porta das recolhas indiferenciada e selectiva, bem como na recolha dos resíduos orgânicos. De referir a utilização de um sistema inovador para a gestão de reclamações, que permite o seu rastreio e cuja exploração tem ainda uma margem de progressão. Salienta-se ainda o trabalho desenvolvido tendo em vista a possibilidade de implementação do sistema PAYT (Pay As You Throw), em que a população paga o serviço com base na quantidade de resíduos produzida, e não por estimativa, incentivando a redução da produção de resíduos indiferenciados e/ou a adesão à separação da fracção reciclável. Refere-se por fim o facto de ser uma empresa com certificação de qualidade.”
Felicito os autarcas da Maia e a administração e os colaboradores da empresa Maiambiente. O caminho que seguem é, em minha opinião, o caminho correcto para enfrentar os novos desafios que se colocam hoje, relativos à forma de gerir e tratar os resíduos sólidos urbanos.
Para os que achavam que a solução era impossível fica este prémio atribuído  e merecido.
Este é, em termos gerais, o modelo que tinha sido vertido para o Plano Estratégico de Resíduos Sólidos Urbanos de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra, que consubstanciava o Project Finance que suportava o investimento necessário através das receitas provenientes da actividade desenvolvida no âmbito da actividade da Tratolixo.
Os “espertos” em 2007 resolveram inventar um novo paradigma para os resíduos que assentava mais ou menos numa premissa “abandonar a parte inovadora e exigente nas recolhas, ajeitar as coisas para que tudo seja igual ao que sempre se fez e esperar um milagre que não ponha a nu muito depressa que esta atitude é insustentável financeiramente para os municípios”.
O mesmo Jornal Água&Ambiente na sua edição de Outubro põe à vista de todos o que se depreendia que iria acontecer ou seja, a Tratolixo tem já um passivo de 166 milhões de euros.
Sob a batuta de Domingos Saraiva, a Tratolixo tem acumulado tiros no pé que muito têm contribuído para a diminuição das receitas e o aumento das despesas, introdução de alterações em projecto que custam brutalidades e que enviesam definitivamente o futuro desta empresa.
O abastardamento do inicialmente previsto no Plano Estratégico de Resíduos de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra ditou que o Project Finance tivesse que ser abandonado, a partir do momento em que deixou de ser sustentável este projecto, ao abandonar o esforço nas recolhas selectivas e na valorização dos Resíduos. O que estava suportado no Project Finance passou a estar suportado nos orçamentos das quatro Câmaras!
Fica-nos a certeza que, não tivessem sido realizadas as alterações no Plano Estratégico poderíamos estar a assistir este ano à atribuição ex-aequo do prémio “Qualidade de serviço de gestão de resíduos urbanos prestado aos utilizadores” à Maiambiente e à Tratolixo.
Fala-se agora que Domingos Saraiva poderá brevemente abandonar a Tratolixo para ser nomeado administrador na EGF. É uma boa notícia para quem acredita que há muito a EGF deveria ter sido desmantelada e a sua actividade privatizada.
Com a experiência adquirida na Tratolixo, no máximo dentro de 3 anos já não haverá EGF.
Melhor para o país!...

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Limpeza Urbana – Descobrir as diferenças…



Quando olhamos para o actual estado da arte da limpeza urbana em Cascais, Oeiras e Sintra percebemos a existência de realidades muito distintas e níveis de operacionalidade e qualidade de serviço prestados assustadoramente diferentes.
Cascais tem hoje uma qualidade muito acima da média nacional e quando comparado com a realidade vivida em Oeiras ou em Sintra então a diferença é abissal!
Mas nem sempre foi assim.
Quem primeiro percebeu este fenómeno foi Isaltino Morais que, na segunda metade dos anos oitenta e nos anos noventa transformou Oeiras num modelo nacional nas políticas de resíduos.
Lembro-me, enquanto autarca em Cascais, de 1986 a 1993, de olhar para Oeiras com inveja, numa altura em que Cascais, nesta como em outras matérias, estava a anos luz da qualidade e eficácia de Oeiras.
Cruzar a fronteira entre os dois municípios era um golpe doloroso para quem sentia uma paixão pela sua terra, Cascais!...
Mas, por ironia do destino, assistimos a uma dupla inversão no rumo dos acontecimentos: por um lado o arranque em 2006 da EMAC em Cascais e a substantiva melhoria da qualidade dos serviços prestados e por outro a passagem de Madalena Castro pelo pelouro do Ambiente em Oeiras, que conseguiu destruir tudo o que os serviços municipais de Oeiras tinham de bom – quadros, brio profissional, amor à camisola – transformando Oeiras num trivial município onde, como em muitos outros municípios do país, o lixo se acumula, há uma profunda falta de organização dos meios, os profissionais não são briosos na sua actuação, vive-se um deixa andar que prejudica, e muito, a imagem do município.
Isaltino Morais não percebeu (ou não quis ou não pôde…) o problema que Madalena Castro estava a criar e perdeu, em definitivo, a capacidade de garantir qualidade ao serviço prestado em questões de limpeza e recolha de resíduos.
Tentou emendar a mão entregando neste mandato o pelouro a Ricardo Barros, autarca competente e dedicado mas, começar de novo não é fácil!...
Em Cascais, por outro lado, existe um serviço igual ao que de melhor se faz na Europa e no mundo!
Qual o segredo?
São vários. A Empresa foi montada em tempo recorde mas em que mais de metade dos efectivos foram recrutados de novo e formados com técnicas de motivação pessoal a que não são alheios a atribuição de prémios de produtividade, indexados à quantidade e qualidade do trabalho desempenhado.
Por outro lado a introdução de mecanismos de controle, monitorização, avaliação e fiscalização da actividade desenvolvida diariamente permite à Administração manter a “rédea curta”.
Os bons resultados, os elogios, motivam as equipas e está encontrada a fórmula.
Em Oeiras, nunca foi tomada a decisão de avançar com a empresarialização desta área de actividade, e as dificuldades legais à contratação de pessoal aliada à impossibilidade legal de horas extraordinárias sem fim (forma utilizada para “premiar” financeiramente os funcionários) ditou o colapso de um serviço que já foi modelo.
E Sintra?
Sintra nunca conseguiu sair da cepa torta. Controlou os danos parcialmente entregando parte do concelho em concessão à empresa SUMA, onde mantém um serviço razoável, mas o restante concelho é operado por uma empresa municipal – HPEM – mas de uma forma muito medíocre.
Em minha opinião não é alheio o facto de a cadeia de comando em Sintra ser um autêntico labirinto (uns têm os Pelouros, mas não tutelam as empresas municipais da área, as administrações das empresas são retalhadas por representações partidárias) o que não é garantia de operacionalidade.
Em Sintra, o Pelouro de Ambiente está entregue ao Vice-Presidente, autarca dedicado, responsável e competente mas a HPEM responde directamente ao Presidente da autarquia.
Pior ainda, é o facto de a HPEM ser presidida por um militante centrista, Eng. Rui Caetano, que nos anos que leva de administração da empresa tem evidenciado uma profunda falta de sensibilidade para os desafios que a preservação ambiental coloca. O resultado está à vista e não podia ser outro.
Ao nível dos índices de reciclagem, por exemplo, Sintra é o quarto classificado nos 4 municípios que compõem a Tratolixo. Está tudo dito!
O modelo de gestão da HPEM enferma ainda de um problema grave que desresponsabiliza todos, a começar pela gestão. O orçamento da empresa vive de transferências do orçamento do município, sem objectivos concretos de gestão, sem margem de manobra de evidenciar o mérito dos gestores. Bem ou mal feito, bem ou mal gerido, o dinheiro está garantido. Assim é fácil ser-se administrador!...
Com a nova moda de diabolização das Empresas Municipais aguardemos os novos desenvolvimentos.
Pessoalmente não acredito que Oeiras resolva o seu grave problema com uma solução de serviço municipal, assim como Sintra dificilmente encontrará uma estratégia bem sucedida sem mudar profundamente a sua organização e o modelo de gestão da HPEM.
Cascais está no bom caminho mas aguentará o balanço?

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Tratolixo à beira do colapso!


Desvirtuado o Plano Estratégico, destruído o Project Finance, com a subida em espiral dos investimentos inicialmente previstos, com um serviço da dívida insustentável, com as receitas próprias a caírem e os custos a cavalgarem, com a impossibilidade prática de encostar a Tratolixo por patacos à EGF,  sem um rumo e principalmente sem ambição, a Tratolixo corre o risco de colapsar.
O sonho comanda a vida, dizia, e bem, o Poeta, mas acrescento eu que sem o sonho são as circunstâncias que nos dirigem, a maioria das vezes por maus caminhos e com maus resultados.
Este é o crime que não me canso de denunciar e que foi feito com a Tratolixo e o  Sistema de Resíduos Sólidos de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra.
A Tratolixo em 2003 ganhou um caminho, uma ambição, uma estratégia sustentada.
Em 2007 perdeu isso tudo, trocando-o por navegação à vista, por ausência de estratégia, de um caminho.
Essa navegação à vista tem custado rios de dinheiro e torna completamente insustentável os custos do sistema para os municípios que o compõem.
Hoje a Tratolixo está no ranking das empresas mais endividadas.
Podia ser também um exemplo de sucesso de investimento  suportado pela actividade da empresa mas não, as alterações introduzidas transformaram isto num peso insustentável para as finanças de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra.
Entregar a gestão de uma empresa com estas características a quem não percebe a lógica autárquica, a quem desconhece por completo essa realidade, só poderia dar este resultado!
Agora o último bordão é a anunciada decisão de acabar com a AMTRES, a Associação de Municípios que é detentora do capital social da Tratolixo.
Outro erro magistral.
A participação directa dos municípios no capital da Tratolixo significará a entrada directa na dívida de cada uma das câmaras do correspondente valor da quota parte de cada município.  Quais as que aguentam levar de rajada com mais uns milhões?
Depois das trapalhadas que fizeram com a gestão desta empresa, parece-me existir apenas uma saída airosa para acertar o passo da Tratolixo sem penalização dos municípios que os integram:
Repescar o Plano Estratégico reformulando-o no sentido de uma maior ambição ao nível dos recicláveis, autonomizar as receitas da empresa garantindo a cobrança directa aos munícipes, centralizar as recolhas dos recicláveis, avançar com a recolha porta-a-porta dos recicláveis e a recolha selectiva da matéria orgânica, fazendo com que a componente das receitas geradas directamente pela actividade da empresa possa aumentar substancialmente e dessa forma minorar a participação directa das Câmaras nos custos da empresa. Um segundo passo deverá ser a privatização de parte do capital da Tratolixo por forma a diminuir o peso da dívida correspondente a cada município.
Sem estas medidas e a devolução de ambição à sua gestão, Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra poderão correr o risco de ficar sem soluções para o tratamento das mais de mil toneladas diárias de resíduos produzidos nos quatro concelhos.
Quererão os actuais responsáveis autárquicos destes quatro concelhos, que são responsáveis pela criação desta situação de pré-catástrofe, ficar com esta responsabilidade?

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O FIM DE UMA ESTRATÉGIA VIII

11. Os erros e os atropelos
O Conselho de Administração que tomou posse em 2007 era presidido por Domingos Saraiva, que entrou com a aura de especialista, mas que cedo demonstrou muitas limitações, muitos preconceitos e acima de tudo demasiados compromissos.
A entrada dá-se de rompante e cedo se percebeu que havia incumbências específicas de alvos a abater, de interromper algumas práticas que punham em causa privilégios que algumas entidades pretendiam adquirir ou manter, muitos preconceitos sobre as soluções preconizadas no PERECMOS, sem a humildade dos homens inteligentes de querer conhecer primeiro antes de criticar.
O diagnóstico feito por Domingos Saraiva indicava que tudo estava mal, os últimos (e únicos…) 16 anos da empresa tinham sido geridos em elevada “incompetência”…
Convirá aqui conferir as alianças estratégicas que foram tomando forma para melhor perceber o rumo dos acontecimentos.
Como é que aparece o nome de Domingos Saraiva neste processo?
Domingos Saraiva fez parte da sua vida ligado ao negócio dos Resíduos (Contenur, NovaFlex, Rumoflex, e a dada altura com os espanhóis da Tecmed, entretanto adquirida pelo grupo URBASER. No governo de Durão Barroso, era Ministro do Ambiente Isaltino de Morais, o nome de Domingos Saraiva é indicado para a administração da EGF pelo CDS-PP, por iniciativa de Luís Nobre Guedes, com quem mantém uma relação de amizade.
Com o fim do governo PSD/CDS – PP chega também ao fim a sua presença na EGF.
Faz uma passagem pela Tríquimica, na companhia de Pedro Afonso Paulo, actual Vice-Presidente da Comissão Política Distrital de Lisboa do PSD, com quem solidifica uma amizade, e ambos saem em conflito com o dono da empresa, com quem mantêm um processo judicial em curso.
Desenvolve uma relação de consultoria com a SAPEC tendo, segundo ele, sido o autor de um documento de orientação estratégica para a área de resíduos daquele grupo.
A SAPEC é, entre outras, detentora do CITRI, aterro de resíduos industriais banais, que iniciou um processo de produzir CDR's que têm vindo a ser testados na SECIL.
Pedro Afonso Paulo é actualmente administrador de algumas empresas do grupo SAPEC.
Luis Realista, com o dono dos Transportes Bizarro, José Bizarro, iniciou em 2005 ou 2006 uma empresa associada à SECIL para a gestão do processo CDR's, AVE, assumindo o controlo desse fluxo para a cimenteira do Outão.
Dos contactos entre o CITRI e a AVE terá surgido a ideia de apresentar Domingos Saraiva a Ministro dos Santos, que terá sido o autor da proposta aos restantes presidentes das Câmaras de Cascais, Oeiras e Sintra para a sua nomeação para Presidente do Conselho de Administração da Tratolixo.
Luis Realista assume-se como o alter ego de Domingos Saraiva para as questões técnicas dos resíduos e, para complementar o controle da empresa, aparece um terceiro nome – José Lino Ramos – representante da Câmara de Sintra na AMTRES, que preside, e no Conselho de Administração da Tratolixo, na qualidade de Administrador não executivo.
É dirigente do CDS - PP e mantém com Domingos Saraiva um ascendente de carácter político.
Todos as decisões tomadas entre 2007 e 2009 estiveram centradas nestas três pessoas.
Todas as negociações com a EGF, com as entidades do sindicato bancário, com os empreiteiros das obras em curso, nomeadamente a Digestão Anaeróbia, o Aterro e a ETARI, tudo foi feito com grande secretismo até já aparecer bem embrulhado para Conselho de Administração aprovar.

11.1 A estratégia da fusão com a Valorsul
O arranque da actividade do Conselho de Administração saído da eleição intercalar de 2007 dá-se com a revisão dos princípios constantes no PERECMOS, onde são corrigidos os objectivos em termos de recolhas selectivas para valores francamente inferiores, colocam-se em causa os investimentos já realizados ou em curso, iniciam-se os processos de encerramento ou alienação das empresas do grupo e reorganiza-se toda a estratégia com um único objectivo – associar a Tratolixo á Valorsul.
Sob a capa do argumento de optimizar investimentos já realizados por outros sistemas (diga-se Valorsul) a estratégia é reorientada para viabilizar a quarta linha da Valorsul, agora não com o excedente de resíduos do sistema Tratolixo mas com os RCD's provenientes dos rejeitados dos processos da Tratolixo.
Trata-se de uma solução de conteúdo técnico muito duvidoso.
Construir uma linha de incineração só para CDR's significa que a Valorsul vai pagar os CDR's à Tratolixo?
Não consta que tenha tal intenção.
Mas então a Tratolixo vai pagar a transformação dos rejeitados em CDR's e paga também à Valorsul a sua incineração?
Se é para incinerar qual a vantagem de transformarem CDR's?
Há aqui qualquer coisa mal explicada, não há?...
Pelo caminho ficou a nova unidade de Triagem da fileira embalagem na Tratolixo, cuja construção foi abandonada, estando estes resíduos a ser triados desde meados de 2008 na Valorsul.
Os passos dados neste sentido foram tão assertivos que não deixam grande hipótese de revisão de posição ou correcção de orientação.
A Tratolixo acabará por ser integrada na Valorsul, a EGF assumirá uma posição maioritária no sistema e as quatro Câmaras comerão o que lhes colocarem no prato.
Pessoalmente tenho muitas dúvidas sobre esta estratégia.
Quanto aos interesses dos municípios julgo que estarão muito mal defendidos.
O sistema Tratolixo tem uma dimensão que lhe dá a capacidade de dispor de soluções tecnológicas suficientes, não tendo necessidade de se associar a outros sistemas para criar dimensão crítica.
O sistema enquanto municipal, dá aos municípios que o integram, a total autoridade para definir estratégias, preços, processos de gestão.
Passando a sistema multimunicipal esse papel fica reservado ao Estado, pela mão da EGF, do grupo Águas de Portugal.
A questão financeira também não é argumento.
A Tratolixo, em representação dos 4 municípios foi capaz de negociar um project finance que garantiu o financiamento do projecto.
Se o problema fosse entrada de capital, não se percebe a opção EGF, até porque, mais tarde ou mais cedo, o estado irá decidir a privatização da área dos resíduos e, nesse pressuposto, não se compreende a pressa em “engordar a galinha da vizinha” EGF.
Não seria preferível serem as quatro câmaras a negociar directamente a entrada de privados no capital da Tratolixo em vez de negociar de cócoras coma EGF a sua entrada na Tratolixo?
Por último não se reconhece na EGF uma mais valia de know how que possa ser uma ajuda para as soluções a implementar no Sistema Tratolixo.
A Tratolixo, com a implementação do PERECMOS, rodeou-se de um corpo técnico de grande craveira e qualidade que está ao nível do que melhor existe em Portugal.
Este aspecto tem ainda uma nuance que no meu entendimento não é despiciendo: a Tratolixo construiu uma forma de abordagem destes assuntos com uma tónica vincadamente ambiental enquanto que a EGF nunca abandonou a sua postura economicista na resolução dos problemas dos seus sistemas.
A Tratolixo e o seu sistema, vão sair claramente perdedores deste casamento!

11.2 Project Finance –A montanha nem um rato pariu…
Um dos aspectos mais criticados às anteriores administrações (2002 – 2005) e (2005 – 2007) foi o Project Finance negociado para financiar o PERECMOS.
Tudo estava mal, para não variar.
As taxas de juro eram um exagero, o swap era inacreditável, enfim tudo no contrato de financiamento gerado através do estava mal feito, a acreditar em inúmeras afirmações deste teor proferidas por Domingos Saraiva.
Entenda-se, antes de mais, em que circunstâncias foi este mesmo Project Finance
negociado.
A Tratolixo estava em 2003 numa situação caótica em termos financeiros e as quatro câmaras não estavam numa situação melhor.
A Tratolixo sem aterro, a ter que exportar para outros destinos mais de metade dos RSU recebidos, as Câmaras com dívidas de alguns milhões de euros à Tratolixo, a Tratolixo endividada com empréstimos e contas caucionadas para garantir as despesas correntes, a urgente necessidade de iniciar os investimentos previstos no PERECMOS, permite antever uma “excelente” posição negocial para a Administração da Tratolixo negociar coma Banca…
Mesmo assim o negócio possível foi realizado a 17 de Agosto de 2005 e, pela primeira vez de há muitos anos, a Tratolixo teve a oportunidade de gerir os seus investimentos sem constrangimentos de tesouraria.
Durante dois anos o relacionamento com o sindicato bancário foi bom e sentia-se um clima de confiança mútua.
Mas com a entrada em cena da Administração presidida por Domingos Saraiva tudo se atrapalhou definitivamente.
Para Domingos Saraiva era preciso pôr na ordem o sindicato bancário, e numa primeira reunião fez-se saber isso mesmo aos seus representantes, afirmando a necessidade de reformulação total do PERECMOS e a eventual renegociação total das condições do Project Finance.
Resultado desta postura foi o esperado: se está tudo a ser posto em causa, os bancos passam a exigir o escrupuloso cumprimento de tudo o que está contratualizado!
Uma das condições contratualizadas era o pagamento das câmaras ser feito com um prazo máximo de 120 dias, facto que nunca aconteceu desde a assinatura do contrato.
Moral de toda esta história foi a Tratolixo entrar em incumprimento contratual e só em finais de 2009 se conseguiu libertar temporariamente dessa situação.
Dois anos com o financiamento do Project Finance praticamente suspenso foi a grande “vitória”conseguida por Domingos Saraiva, mesmo com a ajuda e o dispêndio de milhares de euros em consultorias com o escritório de Nobre Guedes, entretanto contratado para assessorar a Tratolixo junto da Banca, e com a empresa Premivalor.
Para juntar à trapalhada, Domingos Saraiva força uma alteração do Contrato Programa firmado entre a Tratolixo e a AMTRES sem que previamente tenha ouvido o sindicato bancário, conforme estipulado no contrato de financiamento, o que gera outra confusão, com alteração unilateral pela Tratolixo das condições contratuais…
De uma boa relação que existia inicialmente, criou-se, a partir de 2007, uma relação muito tensa com os bancos que acabou por trazer grandes constrangimentos ao decorrer dos investimentos.
Volvidos praticamente três anos de musculadas relações com a banca, eis a Tratolixo de cócoras, mendigando o pagamento de tranches do financiamento e tentando esconder a falta de cumprimento dos prazos de pagamentos por parte das Câmaras.
Da revisão das condições contratuais do financiamento nem notícia…

11.3 Ambiente? Aqui agora manda a Economia!
A revolução traduzida na Tratolixo com a aprovação e a implementação do PERECMOS foi a assumpção clara de uma atitude e uma prática fortemente condicionada por ideais de preservação ambiental, onde sem perder de vista as boas práticas, se desenvolviam todos os esforços para garantir a melhor qualidade do trabalho realizado ao menor preço.
De 2003 a 2007 existiu até alguma euforia e orgulho nos trabalhos, estudos e projectos realizados pelo corpo técnico da Tratolixo, havia o reconhecimento da lufada de ar fresco que representava a atitude Tratolixo nos meios do Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos.
Os ambientalistas, de forma recorrente, usavam e abusavam da Tratolixo como exemplo a seguir.
Foi nesta época que choveram os convites para participar em diversos eventos, conferências e seminários, onde foi possível apresentar muitas comunicações sobre os temas em estudo ou mesmo em implementação na Tratolixo.
A partir de 2007 o mundo parece ter ficado virado de pernas para o ar, afinal o que era um bom exemplo passou a ser rapidamente o impossível ou uma utopia, todos os objectivos foram redireccionados e a economia passou a ser a única disciplina presente na “Universidade Tratolixo”.
Morreu o ambientalismo, viva o economicismo!
As boas práticas ambientais deixaram de ser o objectivo principal dando lugar à visão económica das coisas.
Não se entenda que as orientações expressas passaram a não considerar as boas práticas ambientais.
O cuidado de fazer de acordo com a lei manteve-se inalterado, como não podia deixar de ser.
No entanto, a procura de soluções visionárias para dar corpo à tese de que é possível ter sucesso num modelo assente na recuperação e reciclagem de materiais dos Resíduos Sólidos Urbanos esmoreceu ou foi ultrapassada pela visão estritamente económica.
Não quero discutir se é melhor ou pior. Mas é sem sombra para dúvidas muito diferente!
Esta nova maneira de gerir e as alterações nos objectivos e nas práticas da empresa transformaram em utopia aquilo que para mim, para Álvaro Costa e para muitos técnicos daquela casa era uma certeza!

12. Considerações Finais
A Tratolixo e as quatro câmaras que compõem o seu sistema de resíduos tiveram uma oportunidade de fazer história em Portugal com a aprovação do PERECMOS em 2003.
Um Plano Estratégico que assentava a acção numa primeira prioridade que significava a potenciação do reaproveitamento dos resíduos sólidos urbanos e/ou a sua reciclagem, minimizando o seu encaminhamento a destino final.
Convenhamos que a lógica sobre a justeza deste princípio não parece merecer grande discussão: quando se fala, por vezes de forma preocupada, na preservação dos recursos naturais, faz todo o sentido que antes de dar lugar à produção de novos produtos, gastando mais recursos naturais, se dê a primazia à sua recuperação e reutilização.
Faz lógica também que se encaminhe para aproveitamento energético apenas a fracção de resíduos para o qual não há maneira de o reutilizar.
Aliás, a produção de energia eléctrica a partir de RSU sempre foi um aspecto que desestabilizou um raciocínio isento sobre esta matéria.
Sem pretender discutir este assunto da produção de energia eléctrica a partir dos RSU, sempre vou dizendo que o seu preço é atractivo enquanto for subsidiado o preço de aquisição da energia produzida.
No dia em que tal deixar de acontecer…
A construção da unidade de incineração da Valorsul, empresa do grupo EGF, foi imaginada para quatro fornos se bem que tenham sido instalados apenas 3.
Este último forno não instalado sempre esteve à espera de uma decisão da Tratolixo de aderir ao sistema Valorsul e por essa via viabilizar-se a sua construção.
Os defensores da incineração de RSU como forma fácil e barata de resolver a questão dos resíduos sempre estiveram em lugares de responsabilidade na EGF e quando a Tratolixo aprova o PERECMOS, demonstrando que havia em Portugal quem estivesse na disposição de investir numa solução alternativa, amiga do ambiente, e com custos de tratamento semelhantes aos obtidos pela via da incineração, foi um grave problema para os “amigos do fogareiro”.
O PERECMOS serviu de âncora para criar espaço alternativo ao Presidente do Instituto dos Resíduos da altura, Eng. Ascenso Pires, para contrariar o cerco que se instalava a favor da incineração e culminou com a elaboração do PERSU II que deu o tiro de misericórdia em hipotéticas intenções de construção de novas unidades de incineração em Portugal, para além das duas já existentes, em Lisboa e no Porto.
Papel importante para perceber este fenómeno também esteve a cargo do Ministro do Ambiente da época, Dr. Amílcar Theias que, suportando todas as pressões, mesmo as que lhe chegavam do seu próprio Ministério, decidiu em conformidade com o que considerou os interesses do País e a prática ambientalmente mais correcta.
Ao elaborar-se o PERECMOS esteve sempre presente que tudo o que nele estava previsto implicava uma completa reorganização dos processos até ali a vigorar nos quatro municípios relativos aos RSU.
A começar pela estrutura de decisão, que deveria ser centralizada numa entidade supra câmaras, e que deveria ter poderes para gerir o processo de forma horizontal, agindo desde a contentorização, as soluções de recolha, a sensibilização das populações, a formação dos quadros ligados à problemática dos resíduos nas suas várias vertentes, e, naturalmente, nos processos de tratamento de resíduos.
Ora como tudo isto envolve pessoas, porque há muito mais politiquice do que um sério sentido da causa e do interesse público, os umbigos dos protagonistas no poder municipal atrapalharam a tomada de decisões acertadas sobre esta matéria e optou-se pela mediocridade.
Uns por acção, outros por omissão, todos os actuais responsáveis autárquicos deram o seu “importante” contributo para o fim do PERECMOS pensado em 2003.
Não seria criticável se a opção tivesse sido por um modelo diferente mas que se lhe reconhecesse capacidade de garantir uma boa solução ambiental, com custos controlados para os municípios e consequentemente para os contribuintes.
Infelizmente não é o caso.
A opção, acredito ainda hoje que por alguns dos Presidentes de Câmara pouco ou nada foi pensada, antes suportada em maus conselheiros, resultou numa imensa falta de ambição que equipara este sistema ao que de pior se faz em Portugal!
O que aconteceu em 2007 fica na história dos exemplos do que não se deve fazer: tomar decisões sem as estudar convenientemente.
Domingos Saraiva, chamado para reformular o PERECMOS de acordo com o que os municípios estavam dispostos a fazer nesta matéria, pecou pela falta de humildade em tentar perceber a lógica daquele Plano Estratégico, partiu da ideia preconcebida da impossibilidade de implementar aquele modelo e retalhou-o até chegar a “uma coisa” que permitisse “vendê-lo” à Valorsul.
Toda a gente sabe, provavelmente com a excepção de Domingos Saraiva, que “roupa remendada não faz a mesma figura…”.
As alterações introduzidas no PERECMOS em 2007 pela mão de Domingos Saraiva são muito lesivas para os interesses dos quatro municípios, mas estão mais ou menos de acordo com o que aqueles demonstraram pretender.
Olhemos para as principais alterações:
Primeira premissa:
Era bom assegurar o mesmo tarifário da Valorsul
– Tudo foi redesenhado nesse sentido tendo mesmo sido abandonados alguns projectos fundamentais para a autonomia do sistema como foi o caso da Unidade de Triagem da Fileira Embalagem. O objectivo é, integrar a Tratolixo na Valorsul!
Segunda premissa:
Reduzir o investimento na recolha selectiva dos Resíduos Urbanos Biodegradáveis
– Reduziram-se as metas dos RUB, reconfigurou-se a Unidade de Digestão Anaeróbia para passar a tratar RSU indiferenciado, o que valeu um atraso de um ano na conclusão da unidade e um custo adicional de mais de sete milhões de euros.
O caricato não termina aqui.
Porque se trata de um Concurso Público Internacional que tem limites para adicionais, algumas das soluções agora incluídas foi do mais baratinho que se encontrou com performances dos primórdios dos TMB, como é o caso da linha de triagem do RSU.
No século XXI projectar uma linha de triagem sem abridor de sacos ou sem separador balístico é desperdiçar a recuperação de mais 10% de resíduos da fileira embalagem!
Quem olhar os índices de recuperação da unidade da Valnor e comparar com os valores de projecto da Unidade da Abrunheira verifica com facilidade a diferença!
Para cúmulo, três anos passados e a recolha selectiva de RUB está no mesmo ponto: pertinho do zero!
Terceira Premissa:
Acabar comas estruturas empresariais na esfera da Tratolixo
– O grupo empresarial em construção foi desmembrado de forma atabalhoada, fechando umas empresas, (a COLEU), desistindo de empresas já constituídas mas sem terem iniciado a laboração (a Tratoplás) ou vendendo “a patacos” a participação na Tratospital. A dimensão sonhada para o grupo Tratolixo viu-se reduzida desta forma, inviabilizando as sinergias que este agrupamento de empresas permitiam criar.
Quarta premissa:
Reconfigurar o âmbito de actuação da Tratolixo
– Reduzir ou anular qualquer influência futura da Tratolixo na lógica do planeamento ou da sua intervenção no sistema de Resíduos dos quatro municípios limitando-se a Tratolixo a assegurar o tratamento de resíduos. Esta forma escolhida significa que vão continuar uns municípios a financiar a ineficácia dos outros porque cada câmara vai fazer apenas o que entender e quando o entender.
Atente-se no seguinte: O Município de Oeiras em 2009 recolheu 14,6% de recicláveis sobre o total de resíduos enquanto Cascais recolheu 11,7%,Mafra 11,5% e Sintra se ficou pelos 9,1%.
Se os outros municípios tivessem obtido a mesma performance de Oeiras, 14,6% de recicláveis sobre o total de resíduos, tal teria significado um acréscimo nas receitas da Tratolixo de 1.645.000 €!
Mas pior, deste valor, o correspondente à ineficiência de Sintra equivale a 1.096.000 € (67%), enquanto que a ineficiência de Cascais concorre com 400.000 € (24%) e a de Mafra com149.000 € (9%).
Por outro lado, se os 4 municípios tivessem atingido 14,6 % de recicláveis sobre o total de resíduos a tarifa a cobrar pela Tratolixo seria mais baixa 3,40 € por tonelada!
A manter-se esta linha de actuação iremos assistir a médio prazo à falência do Modelo agora em vigor.
Há quem defenda, e o meu pensamento não está longe desta ideia, que a reformulação do PERECMOS foi mal feita propositadamente, para acelerar a integração da Tratolixo na Valorsul que representará “a grande salvação do sistema Tratolixo”.
Dentro de algum tempo, este ou outro próximo Governo, terá em mãos a privatização da área empresarial do estado ligada aos resíduos, já engordada com o sistema da Tratolixo, com um universo de 850.000 habitantes.
Quais os benefícios que os munícipes de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra vão tirar disso? Provavelmente iguais aos que as 4 Câmaras vão alcançar coma forma como estão a gerir o processo Tratolixo – ZERO!
Olho para trás e fico com um misto de sentimentos entre o triste e o decepcionado.
Ao fim de oito anos ininterruptamente dedicados a esta causa, todo o esforço, o trabalho, o empenho colocados no desenvolvimento deste projecto foram por água abaixo.
Provavelmente a culpa maior será minha, ao não ter sido capaz de demonstrar a justeza deste projecto, a bondade do modelo proposto, a garantia de que o interesse público era melhor defendido desta forma.
Dessa inabilidade me penitencio...
Edição de Autor
Dezembro de 2010


segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O FIM DE UMA ESTRATÉGIA VII

PARTE 2
2007 a 2009


9. Declínio da estratégia inicialmente traçada
Como já se referiu, as eleições de 2005 trouxeram alterações na composição das várias Câmaras que vieram a ditar profundas divergências com o modelo que tinha sido desenvolvido para o Sistema de Resíduos gerido pela Tratolixo.
Objectivos estratégicos e políticos que colidiam com o PERECMOS e a forma como tinha sido desenhado, simples “ajustes de contas” ou a incapacidade de antever a médio e longo prazo as implicações de uma correcta gestão de um sistema com problemas tão complexos como este, levaram a que os acontecimentos se precipitassem no sentido de revisão profunda do PERECMOS.
Tornou-se evidente que uma das premissas, talvez a mais importante, para o sucesso da estratégia delineada, conseguir gerir de forma integrada o sistema de resíduos de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra de uma forma horizontal – Recolha / Tratamento / Destino final - tornara-se impossível de conseguir.
Uns consideravam incomportável continuar a manter o nível de endividamento das Câmaras para com o sistema mas outros insistiam em pagar o mínimo no maior prazo possível, outros consideravam que as recolhas deveriam ser asseguradas pelas Câmaras e não pela Tratolixo, outros ainda consideravam inaceitável avançar para a recolha selectiva de RUB, outros consideravam que as tarefas de sensibilização deveriam ser cometidas às Câmaras, só para falar em alguns assuntos que motivaram opiniões divergentes entre as Câmaras que constituem o Sistema.
Eram demasiados “outros” para um só sistema!...
No entanto, passados três anos de toda esta tempestade, começam a ser tão evidentes os erros cometidos na revisão do PERECMOS que me arrisco a afirmar que o Sistema da Tratolixo poderia ter sido um exemplo Nacional na gestão de Resíduos Sólidos Urbanos e hoje é apenas mais um Sistema!
Quais são afinal os 7 pecados mortais que destruíram a possibilidade de sucesso do Plano Estratégico delineado em 2003?
1. A impossibilidade de garantir uma gestão integrada Recolha – Tratamento – Destino Final manteve, a partir de 2007 cada Câmara a gerir as recolhas de forma diferenciada, tornando impossível fazer da Recolha a primeira arma a utilizar para promover as recolhas selectivas e, por essa via, aumentar as quantidades de resíduos enviados para reciclagem.
Aliás, em alguns locais, como parte do município de Sintra, as opções tomadas pela HPEM para a contentorização, estão a fazer perigar a qualidade mínima dos materiais recolhidos tendo, nos casos da “famosa” recolha lateral de Sintra, aumentado a contaminação dos resíduos recicláveis da fileira embalagem.
Já em Oeiras, o município que nos anos 90 foi o exemplo nacional da reciclagem e da recolha porta-a-porta, toma em 2009 a decisão, lamentável, de reduzir ou mesmo acabar com esta forma de recolha.

2. A incapacidade de implementar a recolha selectiva de RUB tem sido gritante. Para além das experiências insípidas da Ericeira e dos produtores comercias em Cascais, não se fez mais nada para implementar a recolha selectiva de RUB que servirá para alimentar uma das linhas da Digestão Anaeróbia que irá iniciar laboração em 2010.
Sintra e Oeiras têm aqui um papel fulcral: não fizeram nada e nem indícios de começar.
Por outro lado, Cascais assume a posição de só avançar com aumentos de RUB recolhidos selectivamente quando vir as restantes Câmaras a investir neste processo.(Nem o pai morre, nem a gente almoça!...).
No entanto, teria sido fundamental que as quatro câmaras tivessem acordado para este assunto há muito tempo uma vez que este processo é moroso na fase da formação dos produtores de RUB para que se consiga um produto com contaminantes controlados.
Ter havido um a dois anos para solidificar hábitos teria sido muito interessante para o arranque em 2010 da D.A. da Abrunheira.
Assim, e na prática, vai-se iniciar a DA com material contaminado com os inerentes problemas de produção que acarretam…
3. A incapacidade de implementar a recolha porta-a-porta de recicláveis é outro aspecto que espelha o fracasso das recolhas entregues a cada uma das Câmaras.
E este processo de recolha, ao nível das zonas de habitação colectiva, é crucial para um efectivo aumento das quantidades de recicláveis recolhidas selectivamente: Na habitação colectiva temos o contentor dos indiferenciados à porta ou na casa dos resíduos enquanto que para os recicláveis há que procurar o ecoponto mais próximo: para bom entendedor…
4. A impossibilidade de uma sensibilização centralizada é outro aspecto de importância fundamental para o sucesso da implementação do PERECMOS.
Cada Câmara a gerir a sua mensagem, nos seus timings, por vezes com conteúdos contraditórios com os municípios vizinhos e integrantes deste sistema não serve para solidificar uma consciência dos munícipes para a separação e para o correcto comportamento na abordagem dos resíduos no universo do Sistema.
5. A incapacidade de contornar a asfixia financeira da Tratolixo é um dos maiores problemas.
As câmaras sistematicamente se atrasam nos pagamentos dos serviços prestados pela Tratolixo o que leva a fortes constrangimentos financeiros e de tesouraria a que a Tratolixo está muitas vezes sujeita.
Uma solução plausível seria entregar a cobrança deste serviço junto dos munícipes à Tratolixo, passando o valor a pagar a ser directamente proporcional à quantidade e nível de separação dos resíduos e abandonando definitivamente a cobrança de uma Tarifa de RSU por métodos indirectos, com base no consumo de água.

6. O abandono de partes fundamentais do Plano inicial de investimentos foi outro erro crasso.
Com base numa teoria, suicida em minha opinião, de fusão com a Valorsul a todo o custo, o próprio PERECMOS foi “adaptado” para lhe dar corpo.
A anulação da Construção da Central de Triagem levou a que desde meados de 2008 seja a Valorsul a fazer a triagem do Plástico/Metal/ECAL da fileira embalagem recolhido selectivamente no sistema da Tratolixo mas, acima de tudo, a empresa ficou sem capacidade de dar resposta às suas necessidades ficando refém de terceiros para cumprir aquilo que é a sua actividade principal!
7. A incapacidade de consolidar um grupo empresarial para os Resíduos sólidos Urbanos é o último pecado mortal cometido.
A concepção integrada de um grupo empresarial foi abandonada por falta de visão dos decisores políticos ou seja, as quatro Câmaras.
Não entenderam, ou não quiseram entender, as virtuosidades de um grupo empresarial que poderia ser uma trave mestra na sustentabilidade do sistema de resíduos dos 4 municípios.

10 A evolução do Sistema de Resíduos após a reformulação do PERECMOS
Cabe aqui procedermos a uma análise do que é a evolução dos resultados do sistema gerido pela Tratolixo nestes últimos três anos (2007-2009).
As opções assumidas na revisão do PERECMOS em 2007 introduziram alguns sinais que naturalmente resultaram numa inflexão drástica no modelo e nas orientações subjacentes ao PERECMOS na sua versão inicial ou mesmo na versão revista em 2006.
A separação clara de responsabilidades quanto à questão das recolhas demonstrou já o retrocesso no sistema relativamente aos índices de crescimento das recolhas selectivas e a recolha de RUB está exactamente no mesmo ponto – nível zero.
Esta regressão nas recolhas de recicláveis tem também razão de ser nas novas opções tomadas quanto à sensibilização e a sua passagem para a esfera própria de cada um dos municípios.
Voltámos à simples sensibilização nas escolas, com meios à dimensão de cada um dos municípios mas, aspecto fundamental, deixou claramente de se assumir os resultados como os de um só sistema.
Cada um dos municípios mantém-se apenas a olhar o seu umbigo!
Olhemos para os números.
Os RSU total mantêm-se com uma evolução que indicia alguma estabilidade, excepção feita ao Município de Mafra onde se regista ainda algum crescimento urbano, com o consequente aumento da população.
Denota-se que a evolução dos RSU estão nos últimos dois anos longe do incremento de 3% ao ano previstos no PERECMOS e tal deve-se à conjuntura económica e a uma certa estagnação na expansão urbana e consequente crescimento populacional nos concelhos de Cascais, Oeiras e Sintra.

Numa situação de implementação do PERECMOS, como foi projectado inicialmente, gradualmente deveríamos assistir a uma diminuição dos RSU indiferenciados e a um correspondente aumento dos recicláveis.
Se tal foi verdade em 2004 e 2005, quando se deu o vertiginoso aumento dos recicláveis fruto das medidas preconizadas no PERECMOS e consequentemente implementadas pela Tratolixo, com as mudanças verificadas após o acto eleitoral de finais de 2005, as dúvidas sobre o PERECMOS expressas por alguns autarcas, funcionaram como travão para a continuação da implementação de algumas medidas fundamentais previstas no PERECMOS.
O resultado foi a manutenção das quantidades de RSU indiferenciado com ligeiras flutuações, que nos últimos dois anos se ficam mais a dever a alterações nos hábitos de consumo do que propriamente a uma efectiva alteração do tipo de resíduos recolhidos.
O comportamento diferente do Município de Mafra está ligado ao já referido processo de crescimento urbano que se tem vindo ali a registar nos últimos anos.

Já os recicláveis apresentam um comportamento que espelha claramente as duas velocidades a que este sistema viveu: a velocidade que representou a implementação do PERECMOS original, no período de 2003 a finais de 2006 e a estagnação que se verificou após a revisão do PERECMOS consubstanciada em 2007.
Deve ter-se em atenção que não é expectável que o crescimento dos recicláveis se verificasse até ao “infinito” ou mesmo que os incrementos verificados nos primeiros anos e com as primeiras medidas do PERECMOS se mantivessem com a mesma expressão no decorrer dos anos.
Mas, é absoluta verdade que os níveis de recicláveis poderiam ter sido substancialmente superiores se o PERECMOS não tivesse sido amputado da forma como foi.
Mesmo a implementação da recolha selectiva dos RUB, se tivesse sido iniciada teria um efeito muito importante em toda esta dinâmica e ajudaria a melhorar os resultados e a participação das populações na lógica da separação na fonte.
Uma simples análise do que aconteceu de 2008 para 2009 é indiciador do que se acaba de afirmar.
Com excepção de Oeiras, em todos os outros três municípios verificamos um decréscimo mais acentuado dos recicláveis do que o verificado no RSU Indiferenciado.
Tal significa um claro retrocesso nos hábitos de separação das populações, fruto do desinteresse e do desinvestimento manifestado pelos responsáveis autárquicos.
Um outro indicador interessante é o rácio recicláveis/total de RSU.
O comportamento deste indicador no período 2003 a 2009 não pode ser mais evidente.
Este rácio Recicláveis/RSU Total identifica que foram dados sinais errados ao sistema e às populações servidas por ele, uma vez que a evolução que se pretendia crescente dá sinais de abrandar, estagnar ou mesmo regredir!
Outro aspecto interessante é acompanharmos a evolução das metas traçadas para o Ano 2023, o horizonte previsto para o PERECMOS nas suas sucessivas versões.
Já aqui referimos que as metas definidas no PERECMOS na sua versão original de 2003 poderão ter pecado por demasiado ambiciosas.
Conscientes disso mesmo, na primeira revisão do PERECMOS realizada em2006 os valores foram revistos em baixa.
Mas na revisão de 2007, aquela que personifica a quase negação do plano inicial, tais são as alterações introduzidas, torna os objectivos a atingir quase banais.
No entanto, mesmo banais, com o sistema a comportar-se desta maneira, sem tomar as medidas necessárias de coordenação nas recolhas, nem essas metas serão atingidas podendo afirmar-se, sem grande margem para erro, que até se poderá verificar um retrocesso para níveis inferiores aos já conseguidos!
Olhemos os objectivos traçados nas sucessivas versões do PERECMOS e não será difícil concluir que os objectivos traçados, mesmo depois de profundamente diminuídos, nunca serão atingidos se se mantiver esta ausência de estratégia.
A falta de ambição e de visão ditou que o sistema da Tratolixo, composto pelos Municípios de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra, assuma uma opção pela mediocridade, por fazer mais do mesmo.
Igual a todos os sistemas de resíduos de Portugal, ou de quase todos!...
Esta situação, bem evidenciada neste gráfico, demonstra que a retórica de definir uma meta, seja ela qual for, implica que o sistema se mobilize para, no seu todo, desenvolver as acções necessárias para que seja atingida.
Não o fazendo, como a acção da Tratolixo exemplifica nestes últimos três anos, para quê definir metas se tanto interessa atingi-las como não?!
Mas, e que efeitos têm estas alterações na lógica financeira traduzida no Project Finance ?
Esta redução de recicláveis recolhidos traduz-se, naturalmente, numa proporcional redução de receitas provenientes da venda de recicláveis e num aumento significativo de resíduos a enviar para destino final, o que se repercute num aumento de custos para o sistema.
O Project Finance pressupunha uma tarifa, a custos fixos a variar de 25 € a 29 € no quinto ano de vigência, mantendo-se nesse valor até ao final do projecto.
Ora é bom de entender que o tarifário não iria aguentar o esforço requerido ao sistema sem se actuar ao nível das recolhas!
Foi necessário reajustar o tarifário e foi abandonado o tarifário do Project Finance passando-se a definir anualmente o tarifário que permita um orçamento base Zero.
A evolução dos tarifários foi o seguinte:
O que as Câmaras não quiseram fazer por força de uma estratégia de alteração das recolhas e um investimento em promover a separação e a reciclagem dos resíduos da fileira embalagem foram pagar na factura da Tratolixo!
Veja-se o que foi a evolução dos pagamentos efectuados pelos Municípios no mesmo período de tempo:
É uma diferença brutal e estamos obviamente a falar do dinheiro dos contribuintes.
Uma pergunta não posso deixar de formular:
Qual teria sido a maneira como os contribuintes teriam preferido que este dinheiro fosse gasto, a investir num modelo moderno de recolhas de resíduos, ambientalmente responsável, exemplar em termos nacionais, ou, ao invés, que fosse gasto em aterros e em transportes para esses aterros?
A resposta não me parece nada difícil de adivinhar…